Ainda no Expresso, numa das páginas de opinião, temos direito a numa espécie de confronto semanal esquerda/direita entre as colunas ao alto de Daniel Oliveira e Henrique Raposo.
Não vou esconder que, de há muito, acho que Daniel Oliveira está para estes tempos como Louçã esteve para os anos 90. O rebelde de serviço com lugar cativo na imprensa mainstream. Uma espécie de sucessor da rebeldia, quando ela serve para dividir alguma coisa incómoda. Em tempos, Louçã ajudou a enfraquecer o PCP, agora Daniel Oliveira ajuda a enfraquecer (mesmo que grite que não) o Bloco.
Já a Henrique Raposo acho alguma graça pois tem um pensamento suficientemente heterodoxo e iconoclasta para o situar simplesmente à Direita. Escreve de forma muito mais certeira quando critica a Direita do que quando tenta caricaturar a Esquerda menos caricaturável.
Esta semana, os dois denunciam os seus preconceitos mais enraizados, as distorções do olhar que tendem a misturar e aglomerar aquilo que encaram como estando do outro lado.
Daniel Oliveira segue pela senda habitual da desculpabilização quase explícita da violência e do vandalismo, quando o acha ao serviço de causas justas. Pior… tem sempre aquele olhar que considera que quem protesta é pobre e, portanto, tem razão, mesmo quando agride outros pobres:
E como os pobres não são nem melhores nem piores do que os outros a raiva descamba com facilidade para o motim e a pilhagem, escolhendo como primeiras vítimas os vizinhos. E aí a coisa já só se resolve à força.
Mais à frente atribui quase directamente as culpas dos motins em Londres a David Cameron, como se os meses em que ele está no Governo fossem tão ou mais responsáveis pela situação do que a década de Novo Trabalhismo.
Já Henrique Raposo parece encarar a margem sul como um imenso território indistinto onde existirão apenas dois ou três pontos de referência, sendo um deles o Barreiro. Na sua crónica, Londres & Barreiro, Henrique Raposo baralha-se com a geografia da margem sul e atribui ao Barreiro a localização do bairro (Vale da Amoreira) onde se praticam excisões genitais femininas num contexto cultural ligado a uma comunidade guineense com forte componente islâmica. Por acaso, o bairro em causa fica do outro lado (sul) da estrada que sobe a colina para as Fontaínhas, estando a escola onde lecciono no lado norte. O concelho é da Moita, mas isso agora não interessa nada. O que interessa é a denúncia. De algo que, até com contornos mais dramáticos (as meninas e jovens enviadas para a Guiné quando atingem cerca de 14 anos para participarem em rituais dos quais nem sempre sabemos como saem e dos quais por vezes nem regressam). Relembro este post com quatro anos e meio sobre o assunto.
Tanto em Daniel Oliveira como em Henrique Raposo são óbvios os enviesamentos do olhar por preconceitos ideológicos de base. Um justifica a violência indiscriminada (foi contra David Cameron que o condutor lançou o carro que matou três pessoas?) quando feita por razões que considera justificáveis, o outro olha para este lado do Tejo como um faroeste indistinto onde a geografia é intermutável. Mas aposto que, se escrevesse sobre Londres, não trocaria os bairros, quanto mais os concelhos.
Esquerda/Direita, tão diferentes, tão iguais.
Agosto 13, 2011 at 12:01 pm
Caro Paulo, num caso parece haver confusão geográfica, no outro parece-me que a confusão é mais séria. E sou insuspeito porque estando politicamente mais proximo do Raposo não gosto do seu estilo “meus amigos” e da tendência para a caricatura simplista. Digamos que ao fim de algum tempo cansa… Há um colunista que publica ali entre o Daniel e o Raposo que esse sim sabe de geografias e de história…
Agosto 13, 2011 at 12:20 pm
#1,
O Rui Ramos sabe dessas coisas mas padece, por vezes e cada vez mais nos últimos tempos, do erro de querer ser “atractivo”, “giro”, “polémico”, o que o tem conduzido a torções valentes em alguns factos.
Agosto 13, 2011 at 12:31 pm
#2 toda a gente tem direito ao seu marketingzinho pessoal… sobretudo quando se converte ao articulismo… Atractivo e giro não é pecado. Um embrulho bonito também ajuda se o conteúdo não desiludir. Todos cuidamos do embrulho de alguma forma.
Claro que as brigadas liberais acusam o toque de verem um seu membro honorário acusado de torções valentes mas não promoveremos um motim por causa disso. A nossa revolução é pacífica.
Agosto 13, 2011 at 6:04 pm
#0
Enviesamentos e deformação profissional
Não creio que qualquer destes opinadores se considere um “cientista social” nem que seja um pré-posicionamento pretensamente assumido que cause o enviesamento que refere. Caso contrário bastaria definirmo-nos como independentes ou centristas para chegarmos à (pretensa) verdade. Considerar-se de esquerda ou direita, particularmente no caso de Daniel Oliveira, embora seja um direito que lhe assiste, não passa de uma opinião pessoal, como tudo o que escreve. Há alguns anos, para dar apenas um exemplo, uma determinada esquerda, que se assumia como científica, recusava simplesmente análises políticas a partir de conceitos como pobres e ricos.