Eu prometo sempre não ser longo, mas raramente cumpro. Está calor, é bom que me fique pelas ideias mais fortes sobre aquele que considero ter sido um ano lectivo de compasso de espera, de não-decisão em relação a quase tudo o que é mais importante para melhorar o trabalho nas escolas e salas de aula (ou outros espaços de aprendizagem, está bem de se ver, que eu sei ser modernaço e sei que há learning-coisos), enquanto a principal mudança se deu no sentido de uma racionalização gestionária da rede escolar que acentua fenómenos de desumanização e despersonalização da Educação, colocando os critérios pedagógicos depois dos economicistas.

Eu distinguiria três períodos que só em parte coincidem com os lectivos:

  • Expectativa e Esperança: de Setembro a Dezembro de 2009 -> foi o tempo em que, primeiro à espera das eleições e depois no seu rescaldo, se esperou que o Governo e o Ministério da Educação invertessem parte das suas políticas. Transformada a maioria em minoria e substituído o trio malfadado por um que parecia mais dialogante (quiçá fofinho), pensou-se que algo poderia resultar de um novo ambiente negocial com os sindicatos. Suspendeu-se a respiração e esperou-se. Mas em Dezembro já se percebia que a espera tinha um valor táctico para o Governo, ultrapassado que foi o escolho parlamentar da possível suspensão do processo de avaliação do desempenho, com o apoio inestimável do PSD e do seu líder parlamentar de então Aguiar Branco. À aproximação do Natal de 2009 começava a sentir-se um nervosismo misturado com algum desânimo, pois tudo estava como antes, desde a avaliação ao estatuto, passando pelo Estatuto do Aluno e modelo de gestão, apesar de anúncios repetidos de que algo estava para ser alterado (foi quando se ouviu falar em reforma curricular e em metas de aprendizagem).
  • Desilusão,  Esvaziamento e Depressão: Janeiro a Abril de 2010 -> o 2º período começou quase logo coma maratona negocial que levou ao acordo de 7 de Janeiro, em que o Goveno e o ME cederam num aspecto simbólico crucial no discurso reivindicativo dos docentes – o fim da divisão formal da carreira em duas categorias – para capitalizar em quase todo o resto, em troca da abertura de vias negociais para assuntos como os horários, o modelo de gestão, concursos, a formação contínua, etc, etc. Assinado pelos maiores sindicatos, o acordo foi apresentado a educadores e professores como um bom acordo pelos seus representantes, mas desde logo se percebeu que era demasiado curto se outras matérias não apresentassem avanços. Durante três meses, ME e sindicatos signatários do acordo continuaram uma coereografia negocial que nada trouxe de substantivo, enquanto os docentes se começavam a sentir progressivamente defraudados. Até que, em Abril, se percebeu que nada mais havia para além da letra escrita no acordo e mesmo isso, se o Ministério das Finanças não exercer o poder de congelar progressões e aumentos salariais á conta dos vários PEC. Em Abril percebeu-se que as classificações do ciclo anterior de avaliação do desempenho iriam contar para os concursos para 2010-11, que o mais certo é não existir abertura de um concurso suplementar para ingresso nos quadros em 2011 e que, na prática, o acordo era só aquele acordo mesmo e que em ponto nenhum das actas oficiais das negociações o ME deixou qualquer garantia explícita de nada. Foi o momento do grande desânimo, da percepção completa do pouco que, afinal, o acordo representara e que a relação negocial preferencial entre o ME e alguns sindicatos serviu a ambas as partes para retomarem um modelo de negociação anterior a 2005, só que sem quaisquer resultados práticos.
  • Contra-Ataque do ME e Apelos a uma Guerra Ausente: Maio-Julho de 2010 -> a partir de Maio ficou bem claro que, depois de ter conseguido a acalmia nas escolas através da utilização hábil da relação de confiança entre a nova equipa do ME e o movimento sindical docente, o Governo estava em condições para, com alguns meses de pausa, avançar com políticas directamente decorrentes das desenvolvidas no mandato anterior. A forma abrupta como foi colocada em prática a contracção/concentração da rede escolar fez lembrar o modus operandi do período MLR-Valter-Pedreira: avanço de surpresa, coacção, operação mediática de envolvimento. Só a mais fraca qualidade dos actores actuais (o SE Trocado da Mata é um desastre completo neste aspecto), a maior capacidade de resistência dos próprios órgãos de comunicação social à tentativa de sedução com dossiers informativos pré-programados e a capacidade de resistência de algumas comunidades educativas conseguiu fazer parar o que pretendia ser um completo cilindro concentracionário. Ao mesmo tempo, concretizava-se a inscrição na graduação profissional da avaliação do desempenho, enquanto o movimento sindical docente ou desaparecia antes de qualquer combate (todos os sindicatos, à excepção da FNE e Fenprof) ou fazia declarações de circunstância a tentar provar vida (FNE) ou insistia numa coreografia negocial com o ME para recuperar espaço de exposição mediática e parece estar em luta por algo (Fenprof). Leram-se e ouviram-se anúncios de apelos ao renascer de uma luta que quase todos sabem que não vai ter tropas em número e ânimo, até porque pareceu – para mim de forma desconfortável – que a tentativa de diluição dos docentes numa Função Pública indiferenciada e massificada não é mal encarada por nenhuma das partes institucionais em teórico confronto.

Acaba assim o ano lectivo com muitas não-decisões (a reforma curricular caiu, ficando a promessa de um reajustamento para quando der jeito), decisões tardias e mal explicadas(mudanças no Estatuto do Aluno), atrasos evidentes em vários dossiers e um reforço dos piores traços do modelo de gestão em vigor.

Mais do que um ano lectivo perdido, foi um ano que esvaziou por completo o ânimo da larga maioria da classe docente, algo que só não foi aproveitado de forma mais grave pelo Governo porque está em minoria em com outros problemas por resolver.

Para quem trabalha no terreno não existiu qualquer melhoria, excepto alguns milhares de docentes que conseguiram, ao fim de meia dúzia de anos, mudar de escalão no dobro do tempo que antes era normal, enquanto muito milhares não sabem ainda muito bem se serão apreciados, avaliados ou congelados.

E os contratados foram transformados em carne para canhão e toda a obra.

As zonas cinzentas do novo ECD – que seguiu escrupulosamente o que estava no acordo como o ME se apressou a anunciar – para as quais se chamou a atenção quase desde o dia 8 de Janeiro (como é o caso das regras de progressão para quem está nos índices 245 e 299) são pasto fácil para a discricionariedade local e regional, o mesmo se passando com o próprio modelo de avaliação do desempenho na formulação actual.

Resultado do processo de encerramento de escolas e fusão de agrupamentos e escolas não agrupadas, prevê-se que muitas más surpresas esperem centenas ou milhares de docentes em Setembro, quando lhes explicarem que, mesmo sendo do quadro o são do agrupamento, podem ter meio horário aqui e meio horário acolá. Fora muitas outras coisas menos boas que, de acordo com a legislação em vigor, são possíveis e não há providências cautelares mediáticas que safem…

Ou seja, o balanço deste ano lectivo é bem negativo. Em boa verdade e para mim, pior do que o de 2008-09. Porque há um ano ainda havia esperança na mudança.

Agora não há.

Resta alguma capacidade de resistência. Individual, antes de mais. Ou de grupos de maior ou menor dimensão. Quanto às massas, voltaram a ficar verdes porque quando estiveram maduras, lhes disseram para se deixarem cair nos cestos, porque não havia problema, que estavam a cuidar delas.

Agora podem gritar que há fogo na floresta, mas até que as mangueiras voltem a ter água…

(e fico por aqui, porque as metáforas também estão a decair…)