Em relação às declarações transcritas hoje na última página do DN eu apenas acrescentaria alguns detalhes para melhor compreensão de alguns aspectos apenas aflorados pela falta de espaço na peça e pela necessidade de especificar detalhes para os mais leigos (já agora, as aulas eram de 50 e não de 60 minutos antes, aquilo é uma gralha, por certo…):

  • Continua a existir nas escolas, por pressão das exigências da tutela e por prática defensiva dos professores, um culto enorme do papelinho e do relatoriozinho justificativo do mais pequeno acto dos professores que possa ser susceptível de contestação. Não há fora das escolas noção do número enorme de documentos que é necessário preencher e, apesar do actual recurso ao suporte informático, passar a papel e incluir neste ou naquele dossier para, em muitos casos, no final do ano lectivo ir parar ao lixo. Uma das actividades de final de ano é exactamente a limpeza de dossiers em que muita desta papelada, efectivamente irrelevante e meramente justificativa de actos que deveriam ser normais, é deitada fora.Verdade se diga que muitos de nós nos deixamos embalar por este tipo de mentalidade e acabamos por, quase de forma automática, produzir papel para defendermos tudo aquilo que sentimos passível de uma queixazinha.
  • Cresceu nas últimas décadas, por parte da tutela, uma desconfiança enorme em relação ao trabalho dos professores e um desejo enorme de controlar todo o mais pequeno acto que não constitua uma anuência automática à progressão dos alunos. Querendo construir a bem ou a mal sucesso, passou-se a exigir dos professores a justificação por escrito de todos os seus actos que não estejam de acordo com a doutrina superior. Qualquer classificação negativa dada pode ser motiuvo para uma fundamentação; qualquer proposta de apoio carece de impresso próprio de proposta, outrpo de acompanhamento e outro de ponto da situação; qualquer mau comportamento em sala de aula, para ser vagamente castigado, necessita de anotação. Este clima de desconfiança paira em especial desde o início da década de 90 e adensou-se muito durante o guterrismo benaventista e agora com o recente rodriguismo-valtismo. Há da parte do Ministério como que uma forma de penalização retorcida de todos aqueles a quem ainda resta energia para querer que o ensino tenha padrões mínimos de exigência e qualidade que, a nível central, não passam de mera retórica.
  • Todo este ambiente acaba por ter efeitos profundamente perversos no trabalho dos professores porque, mesmo que com naturais excepções individuais ou mesmo de grupo, promove atitudes defensivas e de resignação. Não é só a perda de tempo em tarefas sem relevo objectivo para a aprendizagem dos alunos, mas a desmotivação que incute em todos aqueles que têm menos capacidade de choque com o monstro burocrático e preferem render-se por omissão. O que pode significar a adesão à produção de sucesso estatístico para não terem problemas a nível interno (pressão interpares nos conselhos de turma, grupos disciplinares e/ou departamentos, para não falar em alguns órgãos de gestão) ou externo (ameaças de encarregados de educação de denúncia de classificações que consideram inadequadas, receio de inspecções, etc). E isso leva a surgirem pautas de final de período ou ano com situações que quem conhece o ofício percebe serem puras e simples fabricações de sucesso. As disciplinas corridas todas a nível 3, as evoluções ao longo do ano de 2-2-3, os alunos que passam de 7 e 8 negativas no 2º período para 2 e 3 no final do ano, as turmas em que mais de 50% de alunos em risco de repetirem o ano se transformam em 10% de Abril para Junho. Assim como, é claro, as práticas pedagógicas igualmente defensivas, em que os docentes acabam por, no tal ambiente de rotina e receio, se defenderem no que é seguro e pouco dado a polémica. E depois como é que professores obrigados a ser meros transmissores acríticos de políticas mal concebidas a nível central se sentem em condições para formar gerações de alunos com espírito crítico?