Estratégia para currículo do ensino básico e secundário delineada até final do ano lectivo
O Governo vai concluir até final do ano lectivo uma nova estratégia para o currículo do ensino básico e secundário, baseada na definição de metas de aprendizagem para cada ciclo e áreas nucleares, segundo as Grandes Opções do Plano.
“Pretende-se fazer ajustamentos no plano de estudos do ensino básico, de forma a reduzir o número de unidades curriculares simultâneas em cada ano de escolaridade” e a “promover uma maior flexibilidade de gestão”, bem como a “efectiva integração curricular de áreas transversais”, como a Educação para a Saúde e a Educação para a Cidadania.
Estas iniciativas serão desenvolvidas “de forma faseada até ao ano lectivo 2012-2013”, de modo a assegurar mecanismos de consulta, acompanhamento e monitorização.
O Governo compromete-se também diversificar a oferta educativa e formativa dirigida aos jovens do ensino secundário, “através da valorização das modalidades de dupla certificação, de uma oferta adequada aos seus interesses e expectativas e da conclusão da reforma do ensino artístico”.
A ideia inicial é boa. É realmente necessário redefinir o currículo do Ensino Básico e Secundário. E também é bem pensado que a reforma a fazer não o seja de uma vez só, sem que sejam testadas no terreno algumas das opções.
O que me começa a preocupar é aquilo que já se adivinhava: uma tentação imensa pelo lateral e periférico – que toma o nome de transversal – e uma tentação ainda maior pela aposta no fast lane no Ensino Secundário.
O que neste momento se adivinha é a ascensão de mais áreas curriculares não disciplinares ou a existência de novas áreas que em pouco acrescentam às já existentes, esvaziando as áreas mais tradicionais do conhecimento.
Se a Educação para a Saúde e a Educação para a Cidadania são áreas importantes, não é menos verdade que tenho alguma dificuldade em concebê-las como áreas autónomas no contexto de um desenho curricular que vise melhorar o desempenho dos nossos alunos em competências essenciais para o seu futuro académico e/ou profissional. São áreas que eu compreendo como subtemas no contexto de outras disciplinas mas que, enquanto disciplinas autónomas, não passam de áreas soft em que a avaliação (a existir com efeitos na progressão nos estudos) passa mais pela atitudes e pela abordagem teórica do que por uma aferição efectiva dos conhecimentos e práticas. Aliás, não vejo bem porque a Educação para a Cidadania não se tornou até agora, por exemplo, o conteúdo efectivo da Formação Cívica. Nem porque a Educação para a Saúde deverá ter uma espaço próprio – obrigatório – fora do âmbito do ensino ds Ciências Naturais.
Mas posso a estar conservador e a recear que o currículo do Ensino Básico se torne um paraíso de áreas disciplinares softcore, enquanto as áreas disciplinares de núcleo mais duro perdem cada vez mais terreno.
Porque há aqui uma opção de fundo em causa: ou apostamos num Ensino Básico que propicie aos alunos bons fundamentos nas áreas básicas do conhecimento e deixamos estas áreas suaves para uma oferta de tipo complementar e opcional, ou se opta pelo caminho de um currículo de tipo generalista, destinado a promover atitudes e comportamentos superficiais, sem conhecimento dos fundamentos científicos que os sustentam.
Ou seja, dizer para comer de forma saudável e recomendar o quê, sem que se percebam os componentes dos alimentos, ou aconselhar comportamentos cívicos altamente recomendáveis, sem que se perceba como foi o processo que levou à conquista do regime democrático. Isto para não falar naquela parte delicada da sexualidade em que não chega descrever como evitar comportamentos de risco, sem se perceberem os fundamentos da fisiologia humana.
Quanto ao Ensino Secundário, imagino já a opção por um imenso alargamento das práticas que agora pululam no Ensino Básico, em particular a promoção do sucesso a todo o custo, se necessário for através da multiplicação de cursos de índole pseudo-profissional que mais não fazem do que ser uma via rápida para a conclusão do nível de estudos. Quero acreditar que não, mas não tenho grandes esperanças. No fundo, quer-se alargar a escolaridade para doze anos transformando-a num trajecto pouco acidentado ou, sempre que necessário, com vias paralelas para se conseguir o que em circunstâncias normais – e por normais já me refiro quase tão só a estudar e ter empenho no desempenho escolar – não seria possível.
Janeiro 19, 2010 at 9:20 pm
Absolutamente essencial. Como é possível considerar acessório o que é estruturante? Essa ideia de que só as questões exclusivamente laborais interessam aos professores poderá fragilizar o que ainda é muito pouco sólido. Não considero a conquista da opinião pública um dado adquirido. Temos de fazer por isso e revelarmos interesse pela organização da Escola pública. Esta Ministra promete reorganizar o caos e terá de ser apoiada.
Janeiro 19, 2010 at 9:22 pm
#1,
Acho que não está em causa a necessidade de redesenhar o currículo.
Isso é básico.
O que acho acessório é, existindo a Formação Cívica, andar-se com a ideia de criar a disciplina de Educação para a Cidadania.
Janeiro 19, 2010 at 9:24 pm
Vem aí asneira. São as mesmas figuras que produziram o actual currículo do básico que o vão agora reformar, Maria do Céu Roldão incluída.
Janeiro 19, 2010 at 9:33 pm
#2,provavelmente vão apenas mudar o nome da disciplina.
Já estamos habituados a que cada cabeça pensante que passa pelo ME queira deixar a sua marca. 😉
Janeiro 19, 2010 at 9:34 pm
O que me começa a preocupar é aquilo que já se adivinhava: uma tentação imensa pelo lateral e periférico – que toma o nome de transversal… (P.Guinote)
L’oubli de la mission de l’école se traduit en particulier par la floraison et l’accumulation de nouveaux rôles qu’on lui demande de tenir : faire disparaître les inégalités sociales, apprendre à “vivre ensemble”, développer les relations humaines, distraire les jeunes le plus longtemps possible pour les retenir de traîner dans la rue, et pour retarder leur entrée sur le marché du travail… Il faut remarquer qu’à abandonner la mission pour laquelle elle est faite, l’école ne remplit pas mieux ces nouveaux rôles, bien au contraire : l’école de l’instruction avait mille effets secondaires bénéfiques, tandis que la nouvelle école de l’égalité affichée et du relationnel, est beaucoup plus inégalitaire, voit se développer les violences et les incivilités dans des proportions qu’on n’aurait jamais pu imaginer il y a quelques décennies, n’ouvre plus au monde commun de la raison, et déverse sur le marché du travail des jeunes gens amers, ignorants de tout, rendus incapables de travail et de responsabilité.
(Laurent Lafforgue, 2006)
Janeiro 19, 2010 at 9:42 pm
#1 Manel
Esta Ministra promete reorganizar o caos e terá de ser apoiada.
Sugiro a leitura do artigo de Laurent Lafforgue citado em #5, ou de uma tentativa de tradução aqui.
Janeiro 19, 2010 at 9:42 pm
Por acaso tenho curiosidade em saber qual será o lugar das Artes e em particular da Educação Musical neste novo desenho curricular… menos do que já temos é difícil, mas…
Janeiro 19, 2010 at 9:52 pm
MEM PODIA CHEIRAR… QUANDO VEM DE ZOMBIES E DE PESSOAS QUE DEFECAM CONSTANTEMENTE PELA BOCA…FUI…
Janeiro 19, 2010 at 9:55 pm
Concordo com o que o Paulo escreve.
As tais disciplinas “transversais” passam a ser curriculares? Mas não eram já? Chamam-se “áreas curriculares não disciplinares”.
São 3 : Área de Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica.
Como muito bem diz o Paulo, Formação Cívica é Formação para a Cidadania. Vão mudar de nome? Já estamos habituados.
As outras duas são convertidas em “Educação para a Saúde”?
Os alunos vão dar a roda dos alimentos e o aparelho reprodutor em Ciências e em Ed. para a Saúde?? Porquê? Se é tão essencial ( e acredito que seja) por que não se dá mais espaço a estes conteúdos no currículo de Ciências??
E, como tb já referido no post, isto vai ou não retirar “peso” às outras disciplinas, aquelas que conduzem a um conhecimento estruturado que lhes permita elevar a tal literacia? Não era esta Ministra que dizia que os alunos tinham tantas disciplinas que nem se lembravam do nome delas todas??
Em que ficamos??
Tal como diz o comentador anterior, o que pensam fazer com Educação Musical? Acham de somenos importância qdo comparada com a educação para a saúde, que até já existe no currículo de ciências??
Janeiro 19, 2010 at 9:57 pm
Também me começa a cheirar mal, eu que pensava que descer “mais baixo” seria quase impossível…
Espero que o Paulo não tenha razão…
Janeiro 19, 2010 at 9:57 pm
Lá vem mais uma torrente aleivosa!
Janeiro 19, 2010 at 10:03 pm
Novos curricula? O editor que existe em mim já está a esfregar as mãos de contente: mais papel para o lixo, mais papel para vender!!!.VIVAM AS REFORMAS CURRICULARES PERMANENTES!!!!
Janeiro 19, 2010 at 10:15 pm
Janeiro 19, 2010 at 11:03 pm
Parece-me que todos os professores entendem a necessidade de se reorganizar o currículo, sobretudo no ensino básico, que as reformas dos últimos 20 anos tornaram uma manta de retalhos completamente desconexa.
Mas também julgo que quase todos receiam – e muito – o que aí vem!
Janeiro 19, 2010 at 11:11 pm
E esta coisa de “ir fazendo” sugere-me o pior das políticas dos últimos anos, que foi ir ajeitando e acrescentando ao que estava mal, em vez de reformar cortando a direito.
Foram acrescentando disciplinas e espremendo o currículo, ficando muitas delas reduzidas, no 3º ciclo, a 90m semanais.
Acrescentaram “orientações” e “competências” aos programas, em vez de os refazerem quando se mexeu nas cargas horárias ou se alteraram objectivos da política educativa.
Quem vem quer sempre, como já se disse, deixar a sua marca, mas como entre os dirigentes do ME há a tradição de que são todos bons (onde é que eu já ouvi isto?) tenta-se sempre acrescentar e evita-se sempre anular as decisões anteriores. Caso da aberração das aulas de 90 minutos, que toda a gente sabe que não prestam, mas quase aposto que ainda não é desta que vão à vida…
Janeiro 19, 2010 at 11:47 pm
Quando eu acho que tocámos no fundo a coisa desce mais um pouco!
No básico, com 15 disciplinas no 7º ano, nada como acrescentar mais umas disciplinas.
No secundário é bom não esquecer que estes curriculos não têm meia dúzia de anos… venham portanto novas alterações.
Janeiro 20, 2010 at 12:08 am
A ministra vai reunir com os directores esta semana.Será para lhes dar a conhecer a reforma que já deve estar preparada há muito tempo?Não vem nada de bom com esta reforma curricular…