Com os devidos agradecimentos à Ana pelo envio, aqui deixo as quatro páginas do «Balanço e Observações Finais» do estudo feito, por encomenda de Maria de Lurdes Rodrigues a João Freire, acerca da reorganização da carreira docente:

Chamo em especial a atenção para alguns aspectos a desenvolver futuramente, caso assim o tempo livre e a paciência o permitam:

  • A forma como o autor do estudo parece tê-lo conduzido a pensar no que agradaria ao(à) autor(a) da encomenda, nomeadamente quando afirma que apesar de «partir de uma visão própria da situação» se julgar que a mesmo é «no essencial, partilhada pelos responsáveis do ME, tal como foi entrevisto na reunião inicial havida».
  • O modo como, apesar de se anunciar como um estudo comparativo, se conclui que «o esforço analítico da comparaçâo da situação actual dos docentes com outras profissões portuguesas e com as homólogas carreiras em certos países também não pôde constituir, verdadeiramente, uma fundamentação para as propostas de reorganização do estatuto profissional dos professores. A informação disponível não permitiria, por certo ir mais longe». Maravilhoso!!! Afinal o estudo feito não serve para grande coisa e a reorganização do estatuto da carreira docente não se deve basear em nenhum tipo de análise comparativa com outras carreiras nacionais ou com a estruturação das carreiras docentes em outros países. Ao menos, a admissão clara do que já se sabia.
  • O modo como estas reflexões finais se desfiam e desfilam mais como um guião para a condução da negociação (mesmo quando não o assume) com os sindicatos e para a imposição das novas medidas aos docentes, fornecendo um aparato ideológico e instrumental para conduzir a acção do Ministério, do que como conclusões de um estudo académico ou «científico» sobre a realidade existente. No fundo, João Freire explica à sua discípula Maria de Lurdes Rodrigues, com alguma sofisticação e muito cinismo, como deve agir sobre uma realidade que se quer mudar, mesmo se nada do que foi objecto do estudo parece fundamentar o sentido dessa mudança.
  • A proposta, quase a finalizar, de colocar uma espécie de «espiões» do ME a controlar o funcionamento das Escolas, considerando-se para isso como mais adequados os elementos da Inspecção Geral da Educação.

Este documento é essencial, na minha opinião e não só, para compreendermos que o Estatuto da Carreira Docente não foi mudado por se percepcionar que o anterior estava mal ou porque a mudança visava compatibilizar a docência com outras carreiras da Função Pública ou a carreira docente em outros países (como tanto o ME anunciou), mas apenas porque a sua organização se revelava incómoda para o poder político. Por questões organizacionais, orçamentais mas, pelo que transpira de muitas das páginas deste estudo, principalmente por questões de controle do exercício da doc~encia, visto como uma profissão demasiado livre e horizontal.

No entanto, e apesar de afirmar que «o diagnóstico que foi feito da situação pode parecer menos rigoroso e fundamentado do que aquilo que seria desejável ou expectável», este estudo serviu claramente como a base de acção do ME durante o ano de 2006.

Que o seu autor e a executora tenham o lastro curricular e ideológico que lhes conhecemos só torna tudo isto mais lamentável e tortuoso.