Ao contrário de muitas boas almas, que abriram os olhos de espanto e de incredulidade, foi com alguma normalidade que vi o célebre “vídeo do telemóvel”… Se calhar, porque apesar de nunca ter vivido uma situação destas (ainda?), sou professora e não vivo no mundo alternativo em que muitos à minha volta parecem viver…
Ultrapassadas a perplexidade e a estupefacção que não tive, encontro um lado positivo na exposição pública de uma situação que mosta como todos nós estamos a falhar como sociedade.
Assim, se conseguirmos ultrapassar as leituras simplistas, redutoras e na maior parte das vezes puramente idiotas (as crianças não se sentem motivadas, os professores não se conseguem impor, são fenómenos das periferias, blah, blah, blah…) espero que sirva para que todos abramos os olhos para o tipo de sociedade em que vivemos.
À escola tudo é pedido, culpa da pressão das CONFAPs, pais desresponsabilizados, negligentes, indulgentes até ao absurdo, EE de educação sem tempo para os filhos, por mais que queiram, empresas que obrigam os seus funcionários a horários de trabalho desumanos, ministérios, governos e etc e etc e etc… Os Conselhos Executivos e as escolas, cada vez mais pressionados com rankings e taxas de sucesso, nada fazem ou podem fazer.
Os Daniéis Sampaios e os Eduardos Sás que nos rodeiam têm ajudado à festa. Porque a escola não compreende os jovens, porque as crianças não podem ser traumatizadas… Tudo isto a mim, que sou professora mas também mãe e EE, me enjoa até à náusea…
E todos acham tudo muito normal. Vivem-se hoje condições de trabalho piores que no século XIX, há aqueles para quem o sucesso é passar muitas horas a trabalhar, muito dinheiro ao fim de mês, uns dias de férias com os “piquenos”…
Habitua-se esta geração a ter sem fazer por isso, a ganhar sem esforço, tudo é um direito adquirido, a palavra NÃO é proibida, tiram-se cursos sem estudar, fazem-se cadeiras do curso com um papel mandado de casa, em licenciaturas relâmpago mais fáceis que saltar à corda.
Os melhores vão-se embora, devo dizer que sem pena minha. Se possível, com todo o meu incentivo. Somos um país adiado, estamos a hipotecar décadas do nosso futuro.
Aqueles que se dão ao trabalho de denunciar, alertar, são visto como os “maluquinhos” que só querem privilégios ou profetas da desgraça que não sabem o que dizem.
Mas uma coisa sei eu: aquilo que vejo, a que assisto, aquilo que vivo todos os dias, aquilo que sinto ao ter de viver neste Portugal, como diria Pessoa, “a entristecer” e não no mundo alternativo de que falam os políticos, as revistas e os jornais cor de rosa, os fazedores de leis (que, para sorte de muitos deles, parecem viver acima das mesmas), os Miguéis, os Rangéis, os Albinos, as Lurdes, os Josés, os Artures e todos os outros “Dantas” que nos rodeiam…
Só não percebo porque não se dignam descer dos seus poleiros de digníssima sapiência e virem-nos mostrar como fazer mais e melhor. Assim, porventura evitaríamos situações como a do “vídeo do telemóvel” ou o que aconteceu no último dia de aulas do 2º período,a uma já experiente professora da minha escola, numa turma de ensino geral de 11º ano, que foi mandada levar no c* depois de ter avaliado o comportamento de um aluno como fraco. A queixa foi imediatamente feita às entidades competentes, eu aguardo para ver… Ou uma outra situação que se verificou no ano passado, com outra colega minha, numa destas novas turmas de CEF ou profissionalizantes ou coisa do género (só me permito desconhecer a terminologia correcta destas novas “turmas” porque tive a imensa sorte de, até agora, não ter tido que lidar com elas), as tais que enchem de orgulho os nossos governantes ufanos das novas oportunidades que proporcionam, que foi ameaçada e mandada mais do que uma vez para o c*****! E não estamos a falar duma escola com tradição de violência ou problemas de indisciplina…
Março 21, 2008 at 6:36 pm
Infelizmente, o vídeo também não me apanhou de surpresa, mas que aumentou a minha indignação, aumentou…Muito, muitíssimo…
Foi um aumento proporcional à quantidade de vozes que levantaram para dizer que são casos muito pontuais e que “é necessário compreender estes jovens”, patati, patata, patati, patata…
Março 21, 2008 at 6:38 pm
Uma visão realista! Muito bem.
Março 21, 2008 at 6:56 pm
sim, muito realista e desalentada, como quase toda a sociedade portuguesa dos dias de hoje. Estamos a ficar um pa+is de gente deprimida, já que a revolta vai afrouxando, camuflada pelo dito país “cor-se-rosa”.
Gostaria de ver aqui relatadas as situações dos colégios e do ensino privado em geral. Não me parece que os meninos-filhos-de-gente-fina-que-não-tem-tempo-mas-que-tem-muito-dinheiro se portem melhor do que os outros. A questão é que aí se calhar o silêncio ainda é mais forçoso, não vá o falante perder o emprego.
Porém todos sabemos que os meninos-filhos-de-gente-fina-que-não-tem-tempo-mas-que-tem-muito-dinheiro são mais abandonados, mais subsidiados, mais tolerados e muitas vezes mais revoltados que os filhos-de-gente-normal.
Março 21, 2008 at 7:02 pm
?
http://abnoxio.weblog.com.pt/arquivo/2008/03/o_problema_de_uma_certa_amnesi#comments
Março 21, 2008 at 7:11 pm
Fico a pensar, se na Assembleia da Républica me pusesse a falar ao telemóvel ou a tirar fotos, e o presidente da assembleia me dirigisse a palavra a pedir que não o fizesse, e eu na minha inocência não acatasse tal ordem, que me aconteceria?
Se estivesse na bancada, a assistir à sessão, apareceria um policia de imediato que me expulsaria, se eu protestasse seriam já dois ou três em cima de mim, sairia algemado, com pena para cumprir, seria acusado de desobedecer à autoridade, de insubordinação, etc.(talvez acto de terrorismo).
Se for deputado e estiver no parlamento, aí poderei telefonar à vontade(situação usual e que se vê com frequência)e com a chamada paga por um qualquer contribuinte.
dá que pensar!
infelizmente, um professor neste altura não passa de um mero figurante numa sala de aula, e se algo corre mal simplesmente contestam o facto de não ter estudado o argumento e não estar à altura do papel. Não importa o saber e as competências adquiridas ao longo do curso e dos anos de docência, o querer transmitir e ensinar, por fim resta que se inscrevam em cursos de defesa pessoal. Mas atenção, apenas se poderão defender, nunca poderão ripostar, serão logo enjaulados por terem usado algum tipo de violência – e para além da opinião pública terão que prestar contas a toda a família do discente.
simplesmente não percebo como se pode ainda alguém a atitude da professora, mesmo que pedagogicamente não seja uma boa professora, nunca se pode insinuar(como se lê em vários locais) que o comportamento da professora talvez não tenha sido o correcto, tentando assim justificar(não percebo de que forma)o comportamento da aluna.
estou solidário com a professora, espero que consiga ultrapassar os vários traumas que infelizmente tem nesta altura. mas neles não falam os nosso pedagogos, só falam da coitada da aluna que terá que ser reintegrada… e a integração da professora agora na escola, quem fala? será que pensam que será fácil depois de se ver exposta como foi? Infelizmente não terá a sorte de alguns membros de governo que sempre que a coisa corre para o torto, lhe arranjam de imediato um lugar todo confortável onde não tenha que dar a cara por algo que de errado se passou.
Desculpem o desabafo, mas convém não pensar que estas coisas acontecem somente aos outros. Um dia poderá acontecer-nos a nós. E se não apoiarmos agora a docente um dia poderemos ser nós a “cair” uma armadilha destas.
Por último, gostei da tomada de posição do ministério, logo a oferecer todo o auxilio à docente. É de louvar. Pena que tenha estado sem televisão, para ver o comentário de solidariedade que a MLR de imediato fez.
… e os holligans somos nós?
Março 21, 2008 at 10:15 pm
Uma palavra: Solidariedade com a minha colega, Senhora Professora de Francês da Escola Carolina Michaelis;
Um comentário: A aluna nunca deve ter levado em casa, um par de bofetadas bem assentes, pois se as tivesse levado, para além de pensar duas vezes antes de fazer o que fez, tinha acatado de imediato a ordem da senhora professora; Na prática pedagógica, o açoite na hora certa é a aspirina que trava a dor de cabeça que pode degenerar em depressão…Levei alguns e se os recordo é pelo que com eles aprendi.
Um desabafo: Ai se isto me acontece um dia… talvez perca a cabeça e a cara do(a) aluno(a) fique num bolo e depois… Qual Egas Moniz qual carapuça… fico por aqui;
Um epílogo: Eis os futuros criadores da riqueza que sustentará as nossas reformas… Estais todos vós, mas mesmo todos a ver o que esta geração se prepara para nos/vos fazer? Pois bem, é assim que estamos a ser obrigados a educa-los nas escolas lideradas pelo trio maravilha (MLR+JP+VL) sob a batuta de Sócrates. Por mim, não é essa a educação que dou aos meus filhos nem a que quero para eles e para os meus alunos(as).
Março 21, 2008 at 10:19 pm
“Ou uma outra situação que se verificou no ano passado, com outra colega minha, numa destas novas turmas de CEF ou profissionalizantes ou coisa do género (só me permito desconhecer a terminologia correcta destas novas “turmas” porque tive a imensa sorte de, até agora, não ter tido que lidar com elas), as tais que enchem de orgulho os nossos governantes ufanos das novas oportunidades que proporcionam, que foi ameaçada e mandada mais do que uma vez para o c*****! E não estamos a falar duma escola com tradição de violência ou problemas de indisciplina…”
No próximo ano lectivo era bom que as escolas repensassem a abertura destes cursos.
Março 22, 2008 at 12:01 am
O EXERCÍCIO DA DISCIPLINA EXIGE EDUCAR PARA A RESPONSABILIDADE
A CONFAP condena todos os actos de indisciplina praticados por alunos nas escolas, tal como o que hoje foi dado a conhecer, ocorrido na escola secundária Carolina Michaelis, no Porto. Manifesta, igualmente, a sua solidariedade para com a professora e, simultaneamente, lança um apelo a todos os pais para que exerçam o seu poder paternal junto dos seus filhos, educando-os no sentido da responsabilidade e do comportamento que devem ter em sala de aula, o seu local privilegiado de aprender.
Apela-se aos pais, também, para que imponham regras muito firmes quanto ao uso de telemóveis pelos seus filhos. Muitos dos conflitos hoje existentes no interior das escolas devem-se ao uso indiscriminado de telemóveis.
Este caso não pode ser visto de forma isolada A DISCIPLINA deve ser entendida no sentido da partilha da responsabilidade de aprender, dos fins que justificam a existência da escola numa sociedade moderna e democrática, sociedade essa regida pelos valores da igualdade e da liberdade.
O desaparecimento da família tradicional e da escola tradicional está intrinsecamente ligado ao facto de assumirmos novos valores que se desenvolvem na base da igualdade. Isto levou, sem dúvida, à “crise da autoridade” e à “crise da educação” com que nos debatemos. A sua resolução, porém, não passa, nem pode passar, pela restauração da autoridade perdida, mas pela compreensão da História e pela procura de novos caminhos, que não surgem por magia, mas pela reflexão séria sobre o funcionamento democrático das instituições e o exercício do poder no seu interior, que seja compatível com os valores da igualdade e da liberdade e, obviamente, da responsabilidade pessoal e da compreensão de cada um do seu papel na escola e na sociedade.
“Na escola, a participação deve ser a regra, pois é a base da autoridade: só respeitamos quem nos respeita, nos ouve e tem interesse por aquilo que pensamos e sentimos. A autoridade é sustentada na relação de confiança e de respeito mútuo que caracteriza a interacção saudável entre aluno e mestre”, escreveu Daniel Sampaio, num artigo recente. E acrescentou: “Devemos ser exigentes para com os mais novos, para os podermos responsabilizar – aceitamos que podem trabalhar aos dezasseis anos, mas nunca solicitamos a sua opinião sobre as coisas que lhes dizem respeito, como por exemplo o funcionamento da escola que frequentam.”
A CONFAP defende que é necessário desenvolver na sociedade portuguesa o exercício de participação na vida democrática, que conduza à prática consciente da cidadania. Daí que seja importante, fundamental, Educar para a Cidadania, quer na família, quer na escola, ou seja, Educar para a Responsabilidade.
Março 22, 2008 at 12:46 am
Pois é caro Fernando Torres, quantas vezes a Educação para a Cidadania não se cumpriu nas 20 flexões já! E nos fins de semana à porta de armas aprumados que nem campeões??!!! E era vê-los cumpridores, educados, disciplinados e a não reincidirem mais vez nenhuma… Mas desde quando dentro de uma sala de aula o aluno é igual ao professor?!!! E que novos valores são esses que contribuíram para o desaparecimento da família tradicional e da escola tradicional? Igualdade no acesso ao ensino, igualdade no tratamento dentro da sala de aula sim, mas poderemos falar de igualdade de aprendizagem?!
Março 22, 2008 at 12:47 am
… e, a propósito, uma musiquinha angolana:
Março 22, 2008 at 1:05 am
Frequentemente aparecem pais na escola que dizem: «Professor, veja o que pode fazer com o meu filho, que eu já não consigo fazer nada». Fazem-se sacrifícios para manter os filhos na moda, para lhes proporcionar o último modelo de telemóvel, de MP3, de iPod (Se os outros têm, porque não hão-de ter os meus?!), mas não parece que se façam sacrifícios pelo menos iguais para acompanhar os filhos no seu processo educativo. A falta de acompanhamento dos pais, o seu desinteresse, é, sem dúvida, o grande problema da educação, talvez a maior causa do insucesso.
Março 22, 2008 at 12:47 pm
“A cena chocante passada na Escola Carolina Michaelis, no Porto, ontem divulgada por todas as televisões, configura uma condenável atitude repressiva – quiçá mesmo fascizante – por parte da professora de Francês, que impediu à aluna o normal acesso às novas tecnologias e correu o risco de a fragilizar emocionalmente e traumatizar psicológicamente com a sua postura de confronto físico e verbal, em vez de optar pelas vias do diálogo democrático e da compreensão pedagógica. Foram assim contrariados todos os sãos princípios da “escola aberta” que forma para a cidadania e a liberdade, onde professor e aluno protagonizam uma relação de igual para igual, trocam experiências mutuamente enriquecedoras e libertadoras e aprendem um com o outro. Urge a abertura de um inquérito para decidir da punição da docente, obrigatoriamente severa e exemplar. Quanto à aluna, a oferta de apoio psicológico pelo tempo que se julgar necessário, a dispensa de frequência da aula de Francês pelo resto do ano seguida de passagem administrativa, e a colocação de 100 euros de saldo no telemóvel por parte da escola, deverão compensar os eventuais danos psico-emocionais sofridos. Serão ainda apresentadas desculpas formais aos seus encarregados de educação.”
Março 22, 2008 at 2:59 pm
Infelizmente também não fiquei surpeendida com a visualização deste vídeo. No ano passado, segundo as regras da escola onde me encontrava a leccionar, um aluno que utilizasse um telemóvel na aula teria que o dar ao professor quando este o solicitasse, que por sua vez o entregaria no Conselho Executivo. Sistematicamente os alunos se recussavam a dar o telemóvel, preferindo a ordem de saída da sala de aula e a participaçao disciplinar. E estou a referir-me a alunos do 7º ano de escolaridade e dos CEF’s. No final do ano descobrimos que se encontravam fotografias e videos dos professores, que os alunos conseguiram durantes as aulas, no Hi5. Muitos dos Encarregados de Educação que nunca tinham tempo para ir conversar com os directores de turma e tomar conhecimento da situação escolar dos seus educandos mal lhes era comunicado que o telemóvel destes se encontrava no Conselho Executivo lá estavam para o ir buscar. Quem tem a culpa do uso sistemático dos telemóveis na sala de aula? Os alunos ou os Encarregados de Educação?