O tradicional «dar aulas», apesar de alguma vox populi, é muito mais do que parece. É um lugar comum, mas nem por isso deixa de ser negligenciado. Em muitos momentos, é necessário olhar para dentro dos alunos, para tentar entendê-los, aos seus bloqueios, aos seus dramas, às suas capacidades, a todo um vasto conjunto de factores que estão muito para além de qualquer fórmula que se possa traduzir de forma objectiva e mensurável.
Em termos humanos, isso exige um esforço inquantificável, um investimento emocional profundamente desgastante.
Por isso mesmo, o sucesso da relação pedagógica, no seu sentido pleno, do educador/professor com os seus alunos é algo que transcende a mera meta quantitativa do nível atribuído ou do número de alnos que concluem um determinado ano. Muitas vezes passa pela capacidade de fazê-los compreender o mundo que os rodeia, a vida que os vai atravessando, o futuro que podem destruir.
- Casos há em que, anos passados, a satisfação interior é enorme, quando se percebe que uma conversa mais ou menos dura, uma sensibilização mais ou menos oportuna, permitiu que um(a) aluno(a) evitasse comportamentos de risco que pudessem colocar em risco a pluralidade de vias desse mesmo futuro.
- Em outras situações, instala-se o desânimo perante a inutilidade do tempo e esforço dispendidos em torno da tentativa de solução de um problema, do desejo vão de evitar aquilo que se adivinha ser o curso natural dos acontecimentos.
Acredito que existam professores que consigam fazer boa parte da carreira sem passarem por este tipo de dilema, assim como médicos sem se preocuparem muito com o destino dos seus doentes ou advogados em relação aos seus clientes, mas acho que são poucos.
Reduzir a docência ao «dar aulas» quantitativo ou a quaisquer outros elementos comodamente mensuráveis para medir o «sucesso» é um erro tremendo, uma injusta redução do investimento realizado pelos professores na sua relação com as pessoas que tentam colocar em contacto mais estreito com o mundo.
Concretizar os dois tipos de situação é muito fácil para cada um de nós. No meu caso, e por fortuitas circunstâncias, acabei a pensar em dois desses casos, cada um de seu tipo e género. Daqueles casos que nos ficam na memória para o resto da vida.
A única recompensa esperada nos casos de real e humano «sucesso» é que o(a) tal professor(a) também não fique esquecido.
Março 19, 2008 at 10:12 pm
A única compensação que temos e ninguém compreende é um aluno , passados muitos anos , encontrar-nos e entre ex-prof e ex-aluno continuar uma cumplicidade que só eles entendem… e a energia , o desgaste que supõe querermos criar empatia que nem sempre se consegue… quem mede isso? como se mede? e aquela aula que nos deixa plenos de satisfação porque seguimos os mesmos caminhos pelas mesmas palavras a mesma satisfação o mesmo entusiasmo e aquela outra em que , apesar de tanto esforço, deixa um sabor desencantado… Ninguém percebe. Só quem vive esses momentos.
Vamos lá ver se, desta vez , fica o comentário.
Março 19, 2008 at 10:14 pm
Boa noite!
Já postei um texto sobre o este blog. Vá ver ao blog:
http://www.professoresramiromarques.blogspot.com
É um texto curto da série “Resistências”.
Ramiro Marques
Março 19, 2008 at 10:21 pm
Vale a pena ver este video. quando uma professora tenta que uma aluna do 9º ano lhe entregue o telemóvel Já agora alguém o pode enviar a João Lobo Antunes (conselheiro do PR) para ele ter consciência da diferença entre “tirar o tlm nos dois sistemas de ensino”, o Ensino Basico e a Faculdade de Medicina!?
Março 19, 2008 at 10:28 pm
Noite!
Parece que já cheira a interrupção lectiva, mas de maneira nenhuma a interrupção na contestação. Deixo aqui os votos de uma feliz Páscoa e que Deus nosso Senhor possa, nesta quadra, iluminar a consciência da nossa amiga, que até se chama Maria.
Março 19, 2008 at 10:35 pm
anahenriques
quem gravou isso e colocou no youtube? Sabem que é crime gravar o que se passa na sala de aula e divulgar? As alunas estavam a fazer de propósito para gozar a professora.
Março 19, 2008 at 10:36 pm
O que vimos neste video é a realidade..
Para os jovens de hoje o sexo já não é a coisa mais importante, MAS OU USO DO TELEMÓVEL É SIM O GRANDE ÍCONE SEXUAL!
Março 19, 2008 at 10:40 pm
Não se pode esperar grande coisa de quem prefere um hamburguer a um bom bife.
Março 19, 2008 at 10:42 pm
Já senti isso. Essa empatia, essa acção que num segundo, com uma pequena frase, um conselho, um abrir de uma janela pode modificar para melhor a vida dum aluno, dum ser humano. É uma responsabilidade enorme. É um poder gigantesco. Mas também é muito gratificante.
http://homoclinica.blogspot.com/2007/08/o-casamento-do-pedro.html
Março 19, 2008 at 10:48 pm
E por vezes decorrem muitos anos até que um feedback desta empatia chegue. Um dia ouvi a uma pessoa de idade e com saber acumulado a distinção entre “médicos que tratam as doenças e os outros que tratam os doentes”, não considerando de modo algum os alunos enquanto doentes, penso poder ser aqui estabelecido um certo paralelismo, mesmo que grosseiro. Há cerca de dez anos, encontrei uma antiga professora que me tinha dado aulas no liceu e fiquei surpreendida ao descobrir, que ao fim de tanto tempo e já reformada, ainda se lembrava do meu nome. Penso que são estas pessoas que fazem a diferença.
Março 19, 2008 at 10:52 pm
Infelizmente, quem actualmente decide as políticas educativas não compreende nem quer saber da dimensão humana da docência.
Alguma vez aquelas pequenas mentes poderão compreender que ensinar é também amar? Que um professor dedicado procura ver o aluno por dentro, se zanga, acarinha, consola? Poderão aquelas mentes compreender o investimento humano que a nobre função de ensinar implica? Que uma pauta pode dizer muito ou rigorosamente nada acerca de um professor?
Tudo isso é demasiado transcendente para quem só vê números, para quem não quer saber de Pessoas mas apenas quer mostrar serviço, custe o que custar – ainda que o preço seja liquidar a escola pública.
“Depois de mim, o dilúvio…”
Março 19, 2008 at 10:59 pm
E eu aqui há tempos fui informada por uma colega de que o seu médico me queria ver, pois tinha sido meu aluno e tinham falado em mim. Fiquei a pensar que seria engano, pois nunca dei aulas em Medicina, mas sim em Engenharia. Um dia esse médico apareceu-me à frente. Eu não o reconheci. Foi ele que me disse que eu tinha sido professora dele no 9º ano. Aí lembrei-me que há muito tempo tinha dado umas aulitas num colégio. Já nem me lembrava disso. Então ele relembrou episódios, o irmão dele também tinha sido meu irmão. Claro, que me fez elogios. Eu fiquei derretida. Ser lembrada assim é muito bom.
Março 19, 2008 at 11:27 pm
E estas situações que o PG tão bem descreve não poderão nunca ser quantificadas nem aparecerão nunca inscritas em nenhuma grelha de avaliação de desempenho.
Fica entre nós e aqueles a quem, um dia, numa curva apertada, estendemos a mão e salvámos de cair na ravina … ou não, caso não tenham querido aceitar a mão estendida.
Fica entre nós e aqueles a quem, um dia, numa encruzilhada, apontámos um caminho…
Fica entre nós e aqueles a quem, um dia, demos a atenção da palavra ou do sorriso…
Fica entre nós e aqueles a quem demos o pão do nosso lanche, porque lá em casa não havia.
Lembro-me, com carinho, de todos os mestres que me estenderam a mão, de todos os que me serviram de modelo, de todos os que me contagiaram com o vírus do conhecimento-sempre-e-mais, de todos os que me apontaram um caminho e de todos os que acreditaram em mim.
Março 19, 2008 at 11:28 pm
Sobre o video em 2, aí está algo que nos deveria preocupar a todos por muitas razões. O uso de aparelhos, inicialmente chamados telemóveis pelos alunos nas salas de aulas. Cada vez mais esses aparelhos desempenham outras funções além de telefones: gravadores e reprodutores de som e imagem, radios, máquinas fotográficas, relógios, calculadoras, etc. Para já são um obstáculo às aprendizagens. se alguém fizesse as contas, compreender-se-ia o enorme desperdício de horas gastas pelos professores a mandar os alunos desligar os telemóveis, mesmo sem caír em situações dramáticas como esta. Uma vez vi um programa sobre uma escola francesa dos arredores de uma grande cidade, e os alunos simplesmente não podiam levar telemóveis para a escola. Aqui a ministra legisla sobre todos os aspectos dos direitos e deveres dos professores, mas não toca no direito sagrado de os alunos levarem estes aparelhos para as aulas.
E depois há outro aspecto que interfere com os direitos fundamentais dos professores, nomeadamente com o direito à imagem: não podemos estar a ser fotografados nem filmados (como aconteceu com esta professora) sem a nossa autorização. Deveríamos recusar-nos a dar aulas em que estão dez ou vinte alunos com aparelhos que nos podem estar a filmar, a fotografar ou a gravar o que estamos a dizer. Isto colide com direitos fundamentais…PORRA!!!
Estamos a criar pequenos monstros que não respeitam os outros.
O ensino pode ter coisas boas e coisas muito más.
Março 19, 2008 at 11:35 pm
Joaquim Azevedo fala das “pessoas que moram dentro dos alunos”…
Março 19, 2008 at 11:45 pm
Joaquim de Azevedo escreveu que A Maior Estrada que Abril abriu foi o seu Sistema de Ensino (ex secretário de Estadoda Educação). Abril está a murchar. O sonho a tornar-se pesadelo.
Esta é a verdade.
A comemoração de (25)de Abril está á porta. Os professores, no dia 8 de Março, deram um enorme contributo por Abril e pela Democracia.
Que outros se juntem para que o pesadelo não se instale. Creio estar-se a organizar uma grande manifestação no 25 Abril.
Março 19, 2008 at 11:46 pm
A professora filmada naquele triste espectáculo não poderá accionar judicialmente um processo contra quem filma e divulga este vexame??
Março 19, 2008 at 11:49 pm
Antes de avançarmos com um modelo de avaliação de desmpenho profissional dos docentes, deverão ser definidas as competências que deve possuir :
Ser “Bom Professor”:
.Requer uma disponibilidade interior para estar em permanente relação com crianças e jovens (imagine-se uma simples enxaqueca e ter pela frente 100 adolescentes, duas reuniões e um sem numero de outras tarefas…!)
.Requer possuir uma excelente capacidade de comunicação e uma permanente adequação ás idades com que se trabalha ;
. Requer uma excelente preparação científica nas áreas do conhecimento que ministra mas também quanto aos métodos pedagógicos;
. Requer uma autoridade natural junto dos seus alunos;
. Requer permanentemente “ser-se estudante” em busca de novos conhecimentos, de novas aprendizagens. Pôr-se em causa diarimante (um bom professor aprende diariamente com os seus alunos);
. Requer participação cívica;
. Requer estar constantemente bem informado em relação ao mundo para poder acompanhar e guiar as novas gerações;
. Requer uma curiosidade natural e um entusiasmo próprio de “adolescente, deslumbrado e que leva ao deslumbramento dos jovens com quem trabalha diariamente;
. Requer O DESLUMBRAMENTO POR SABER QUE ESTÁ (QUASE) TUDO NAS SUAS MÃOS – O presente e o futuro de jovens. Requer um ENORME sentido de responsabilidade.
Março 20, 2008 at 12:13 am
Totalmente de acordo com texto do Paulo, no entanto tal não é a regra entre nós professores. Esta é uma dimensão do nosso trabalho que apenas uma avaliação interna consegue ver.
Sobre o repugnante vídeo, há muito que defendo a proibição dos telemóveis nas escolas onde estes sejam uma fonte de problemas.
CEs com coragem, precisam-se.
Os autores do Estatuto do Aluno deviam ver esse video. Enviem-no para a Odete João, o Grupo Parlamentar do PS e para o Valter Lemos.
Março 20, 2008 at 12:25 am
… e por favor não substituam a palavra “férias”, que é linda, por “interrupção lectiva” ou outra parvoíce qualquer em eduquês, Por amor de Deus!!!
Nos países civilizados e desenvolvidos continua a haver férias e muitas.
Março 20, 2008 at 12:37 am
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2008/03/18/peru_reprova_99_dos_professores_do_ensino_publico-426284422.asp
Março 20, 2008 at 12:53 am
Ó Jaime e desde quando vivemos num país civilizado?
Março 20, 2008 at 12:59 am
pois é, Olinda, ainda falta um bocadinho. Mas depende de cada um …
Março 20, 2008 at 2:31 am
Maria Lisboa,
Lindo, o que se passou no peru!!!
Assim percebe-se melhor o porquê da resistência a uma prova semelhante entre nós!
Março 20, 2008 at 2:39 am
Lecciono na escola onde fui aluna. Muita coisa se mantém alunos que estão completamente fora do sistema, pelos mais variados motivos. Desse tempo em que chegar ao 9º ano era ainda uma grande excepção recordo os professores que nos deslumbravam e que conseguiam o “milagre” de ter nas suas aulas os alunos que nas outras nem apareciam. Hoje professora tambem tenho destes alunos. Existem casos de sucesso e de insucesso. Recordo uns alunos que ja na marginalidade e com cadastro, por empenho de muitos professores hoje (4 anos depois) estão na situação de trabalhador estudante. Ainda agora nos procuram… para falar, desabafar, pedir conselhos. Por isso “dar aulas” é tão redutor!
Março 20, 2008 at 8:38 am
Paulo, não podes imaginar como gostei de ler este post 🙂
Março 20, 2008 at 9:55 am
Uma coisa curiosa neste blogue sobre educação, que vou lendo quando o o meu tempo livre me permite, é o número reduzido de vezes que o Paulo fala sobre os seus alunos. Talvez me tenha escapado alguma(s) entrada(s)sobre o tema. Alguma razão especial para isso?
Março 20, 2008 at 10:49 am
Acredito, Rita, que saiba porquê.
Mas adianto-lhe pistas suficientes para montar o puzzle.
* Não tenho uma recordação traumática da escola enquanto aluno.
* Não tenho um quotidiano traumático da escola enquanto professor.
* Este blogue é pessoal e visa expor as minhas ideias e experiências sobre educação e outros temas, partilhá-las com quem cá passa e quer fazer o mesmo e não expor terceiros.
* Há regras e conduta ética que, não estando vertidas em diploma governamental, procuro aplicar da forma mais rigorosa possível.
Por isso, o meu quotidiano aflora poucas vezes (por exemplo, acerca dos bons resultados das minhas turmas em provas de aferição no ano passado, apesar de serem problemáticas ou quando no início deste ano fiz considerações gerais sobre as expectativas para as que tenho este ano) no blogue.
E, com falava ontem com alguém, há que existir uma relação de confiança entre todos os envolvidos nos actos educativos.
Um dia poderei desenvolver isto, se necessário.
Mas acredita numa coisa, cara Rita, se houvesse coisa complicada para se saber, a esta altura do campeonato e sabendo eu de algumas diligências havidas para “espiolhar” o meu passado, já se saberia.
Fiquemos, pois, com a crença que as coisas têm corrido bem.
😉
Março 20, 2008 at 12:06 pm
O colega do comentário 19 é um colega de sorte ainda consegue chamar férias à interrupção lectiva. Eu estou em interrupção lectiva que será interrompida na 4ª e 5ª feira para estar em reuniões sobre assuntos sem carácter de urgência, apenas pelo gozo do executivo em interromper o descanso indispensável para enfrentar um longo e penoso terceiro período. A Ministra os recompensará.
Março 20, 2008 at 1:32 pm
Esses, são aqueles que venderiam a alma, os filhos, a mulher e os pais só pela obtençÃo do sucesso e da vã gloria de mandae
Março 20, 2008 at 4:54 pm
[…] Quotidianos, Umbiguismo Por acaso já tinha pensado responder em forma de post a este comentário/questão da Rita L. sobre a relativa ausência de referências ao meu quotidiano escolar e relação […]