Dificilmente estaremos esquecidos das críticas ferozes do Governo quanto ao incumprimento de muitas autarquias em relação ao seu péssimo desempenho financeiro e ao seu galopante endividamento bancário para pagar, no curto prazo, as imensas dívidas acumuladas.
No entanto lê-se hoje no Público (sem link permanente) que:
Governo abre caminho à gestão de pessoal docente pelas câmaras municipais
(…)
A proposta de diploma do Governo relativa à transferência de competências para os municípios em matéria de Educação abre a possibilidade de as autarquias virem a assumir a gestão de pessoal docente do ensino básico e da educação pré-escolar. Um cenário colocado sob a designação de “projectos-piloto” e que ficará dependente da celebração de contratos específicos entre o Ministério da Educação e os municípios.
No diploma, ainda em fase de negociação com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), não está especificado o que se entende por “gestão” do pessoal docente. E o Ministério da Educação, ontem contactado pelo PÚBLICO, também não esclareceu, em tempo útil, que tipo de competências poderão vir a ser transferidas para as câmaras municipais que aceitem participar nos tais projectos-piloto.
Sabendo nós o estado em que se encontram algumas das maiores autarquias do país, este tipo de medida só tem justificação no desejo do ME fazer uma cosmética no seu Orçamento e transferir os encargos com pessoal para o Ministério das Finanças, ao mesmo tempo que se desresponsabiliza quase por completo pela gestão do sistema público de ensino.
A um acordo deste tipo também não são estranhos os fumos de um potencial acordo – do género totonegógio guterrista – entre autarquias e Poder Central para colocar o contador das dívidas do Poder Local a zeros ou quase.
E também é difícil resistirmos à sensação que todas as fátimas e valentins deste país se vão escapar sem qualquer tipo de punição formal (as gravações incriminatórias desaparecem, os prazos prescrevem, as testemunhas falecem de tédio, os procuradores deixam de procurar, as provas parece que afinal não o são), enquanto os bexigas são espancados e os seus casos arquivados.
Perante tudo isto quem se preocupa com um projecto coerente para a Educação Nacional (ou Pública) fica de cabelos em pé, mas sem alternativas para que se virar, pois da Esquerda à Direita não há quem, de forma articulada, apresente um projecto alternativo.
O Bloco não sabe bem o que quer nesta matéria, o CDS só quer «liberdade de escolha», o PCP só agora parece reagir sob pressão dos sindicatos e o PSD presta-se a espectáculos deprimentes como aquele a que assisti há coisa de um hora num telejornal qualquer: Luís Filipe Menezes, autarca de uma das Câmaras mais endividadas do país, apresenta como solução para a crise do Sistema Nacional de Saúde a municipalização dos cuidados primários de saúde.
Um tipo ouve, não quer acreditar, mas é obrigado a admitir que tudo isto caminha para um completo surrealismo que desafia a nossa compreensão e encoraja de forma quase irresistível o consumo de substâncias o mais psicotrópicas possível, para não nos sentirmos fora da trip colectiva que parecemos estar a atravessar.
Subitamente entrámos num mundo alternativo, em que tudo mudou de lugar e em que os vilões de há uns meses, aqueles que ameaçavam a estabilidade financeira do Estado e se provava serem relapsos incumpridores das suas obrigações, se tornaram subitamente virtuosos gestores da coisa pública a quem se pode entregar a tutela sobre sectores estratégicos e estruturantes da vida nacional.
Entretanto, já não sei se nos consola saber que a Presidência da República «acompanha» as questões da Educação.
Com jeitinho, se acompanhar muito de perto, cai no abismo juntamente com todos nós.
Fevereiro 10, 2008 at 12:00 am
“A descentralização administrativa da educação faz parte integrante do pensamento republicano desde as suas origens no séc XIX”
Quem o diz é A. Nóvoa “Le Temps des professeurs” (p.536, t.II), para logo a seguir descrever com extrema clareza a razão de os docentes desconfiarem e lutarem contra este princípio da entrega do poder da educação na mão de incompetentes e de caciques.
Trata-se de uma recusa em receber ordens de quem pouco ou nada sabe de educação, ou mesmo de um paradoxo :
acreditar que “analfabetos irão resolver o problema do analfabetismo!”.
Mais do que um problema de mais ou menos Estado, melhor ou pior “Escola Pública”, é sobretudo uma questão de PODER e de CULTURA, como o demonstra a experiência das Juntas Escolares de 1919 a 1925.
Fevereiro 10, 2008 at 1:32 am
O impudor manifesta-se em toda a linha de actuação deste governo e deste ME.
Eis o último exemplo:
Estão a brincar com quem?!
Deixam cair prazos intermédios?!
Deixam-nos cair porque: “Dada a dificuldade manifestada por várias escolas em cumprir os prazos intermédios…”
Cada uma pode gerir os prazos à sua medida “desde que não ponham em causa o cumprimento das regras de avaliação e dos prazos finais.” !!!!!!!!!!
Estão a gozar connosco?!
As escolas não afirmaram que não podiam cumprir prazos porque o Ministério não cumpriu os seus?!
As escolas não afirmaram que o problema tinha a ver com o pôr em causa de tudo que estava projectado e programado para este ano lectivo especialmente com o altura crítica do ano no que respeita às aprendizagens dos alunos?!
Dizem eles que as escolas podem gerir os seus prazos intermédios mas que os prazos finais têm que ser cumpridos! E nesses prazos finais está incluída a avaliação dos professores contratados, já neste final de ano!!!!
Estão mesmo a brincar connosco! E estão, sobretudo, a querer mais uma vez mostrar à opinião pública que são eles os bons e nós os maus! Como se esta “negociação“ (????) entre eles (ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, e os secretários de Estado Jorge Pedreira e Valter Lemos com o Conselho de Escolas) resolvesse alguma coisa relativamente à ilegalidade das medidas que estão na mesa e à falta de cumprimento do M E relativamente às suas tarefas.
http://noticias.sapo.pt/lusa/artigo/53a32f13ea5b8de2c5c7bb.html
Fevereiro 10, 2008 at 1:47 pm
Entretanto Valter diz que seria precisa unanimidade
”
“Há autarcas interessados na gestão de professores”
PEDRO SOUSA TAVARES
LEONARDO NEGRÃO-ARQUIVO DN
O secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, admitiu ontem ao DN que já houve “conversas informais” entre a tutela e algumas autarquias, tendo em vista a possível transferência para estas da gestão dos professores do ensino básico e pré-escolar dos seus concelhos, mas assegurou que “nenhuma proposta concreta foi feita nem pelo Ministério nem por autarquias” e que o assunto “não está em cima da mesa” neste momento.
A eventual criação de “projectos-piloto” para esse fim consta da proposta de lei sobre transferência de competências para os municípios, que deverá ser aprovada na próxima semana em Conselho de Ministros. Mas Valter Lemos disse que ainda não há condições para que tal aconteça: “Seria necessário haver um acordo entre todas as partes envolvidas [incluindo os professores] e regulamentação específica”.
Por outro lado, assegurou: “O Governo não está com nenhuma intenção de fazer uma transferência [generalizada] dos professores para os municípios, nem me parece que estes estivessem interessados nisso”. Ainda assim, lembrou, “Portugal é o único País da União Europeia com um quadro de professores centralizado”. Representantes da Fenprof e da FNE, os dois principais sindicatos de docentes, avisaram já que qualquer iniciativa desta natureza seria duramente combatida.
Definitivamente em cima da mesa, e prestes a ser aprovada, está a transferência para os municípios da tutela de cerca de 35 mil funcionários não docentes. A Associação Nacional de Municípios já avisou que será preciso acautelar as carências de pessoal em algumas localidades e Valter Lemos diz que a tutela está atenta: “Sabemos que há escolas com funcionários a mais e outras com funcionários a menos. Acredito que na maioria dos casos as autarquias conseguirão resolver os problemas gerindo os recursos dos seus concelhos, mas os contratos deverão acautelar casos pontuais.” O governante lembrou que “as dotações orçamentadas” pelo Ministério – para funcionários e outras competências a delegar-, “serão integralmente transferidas para as autarquias”.|”
http://dn.sapo.pt/2008/02/10/sociedade/ha_autarcas_interessados_gestao_prof.html