Vasco Pulido Valente escreve hoje com razoável equilíbrio e a perspicácia que se lhe reconhece nos bons dias, sobre a relação paradoxal entre o desagrado aparente dos portugueses perante a situação e governação existentes e a permanência de sondagens favoráveis ao partido no Governo e directa ou indirectamente ao Primeiro-Ministro.
VPV baseia a sua análise numa acertada perspectiva histórico-cultural que, como Eduardo Lourenço ou José Gil, nos obriga enquanto colectivo ou “povo” a enfrentar os nossos demónios mal escondidos, os mesmos que em alguns séculos, nos quiseram fazer encontrar sempre um “pai político”, que nos salvaguardasse da má-sorte e que nos abrigasse do imprevisto, mesmo que à custa da muito glosada apagada e vil tristeza.
Escreve ele:
Entretanto, o país cai, o pessimismo dos portugueses cresce e a economia está praticamente em coma. O ano de 2008 vai ser mau e, provavelmente, péssimo. O cidadão comum sabe que depende do preço do petróleo e do que suceder na América e em Espanha. A insegurança é grande. O que, em princípio, prejudicaria Sócrates. Mas não. Sócrates vive da insegurança. Cada vez que lhe chamam autoritário, cada vez que (justamente) o acusam de pôr em perigo a democracia e a liberdade, os portugueses, como de costume, agradecem a existência providencial de um polícia. Um polícia que manda e que proíbe; e que fala pouco. Não querem a barafunda por cima da miséria; e preferem a miséria à barafunda. Num mundo instável e confuso, Sócrates sossega. O resto à acessório.
VPV escreve em 2008 sobre as circunstâncias que ocorrem em 2008. Mas poderia estar a escrever em 1988, como já escreveu sobre 1988 e o homem providencial era outro S de Silva, Cavaco; ou em 1938 ou 1928 acerca de outro S de Salazar, António; ou em 1918 sobre outro S de Sidónio. E poderíamos esticar a memória em busca de outros senhores S, com ou sem S.
E o problema não passa por questões – essas sim atávicas – de reavivar fantasmas de «fascismo» no actual modo de governo como de repente se lembrou de fazer António Barreto há duas semanas, sendo pronta e certeiramente satirizado por Baptista-Bastos.
O problema da busca do senhor S, que pode ser do Sebastião quinhentista, ou de qualquer Salvador ocasional, é a busca do S de Segurança, sendo que a essa segurança os portugueses – na sua globalidade – estão por vezes dispostos ao Sacrifício de muita outra coisa, seja de algumas liberdades que parecem não fazer assim muita falta, seja de algumas décadas da sua vida.
O problema não está no «fascismo», termo a que agora se achou por bem voltar a recorrer com manifesta falta de rigor e propriedade, à falta de melhor. O problema está mesmo dentro de nós porque, por bonita que seja a festa, a maior parte do pessoal gosta mesmo é de Sossego. Se aparece alguém que o garanta em troca de um pedacinho da nossa alma, não se pensa duas vezes.
Janeiro 13, 2008 at 9:49 pm
As referências ao suposto atavismo endémico dos portugueses estão a tornar-se demasiado frequentes para o meu gosto. Há sempre o risco de um intelectual projectar sobre o conjunto da sociedade as suas próprias limitações. As opções que tomamos acabam por ter consequências. E também é aborrecido, depois de verificarmos que enquanto peças isoladas não temos força para modificar o rumo dos acontecimentos, como peças isoladas acarretarmos por inteiro o fardo dessa incapacidade. Parece mais fácil de aceitar uma responsabilidade repartida por todos os concidadãos.
Todo este sindroma difuso de imobilismo fatalista desaparece logo que se seja capaz de encetar uma iniciativa, por exemplo, como aquela que neste momento decorre no Umbigo. Nem se trata de saber se tal iniciativa terá suficiente poder para alterar a letra do decreto que se prepara. Há mais ganhos imediatos neste processo.
Janeiro 13, 2008 at 9:51 pm
Disseste tudo. Em meia dúzia de linhas escalpelizaste o ser e o estar do povo português.
É exactamente como dizes: “O problema está mesmo dentro de nós …”!