O Reitor treplica aqui, insistindo em interpretar a Lei de Bases do Sistema Educativo mais do que em lê-la, assim como o comentador Mário parece concordar com o facto da LBSE dar cobertura ao que parece ser um “novo” modelo de gestão escolar a propor pelo Governo/ME.
Ora muito bem: sinceramente acho que ambos fazem exercícios em wishfull thinking. Vou repetir-me, mas não há remédio: a LBSE é o que é e está lá o que está lá, não o que gostaríamos que estivesse. La Palisse não descreveria melhor a situação.
Podemos ter a tentação de ler nas entrelinhas e ignorar a letra da lei, podemos apelas à teoria das organizações para aclarar conceitos de forma retrospectiva, no desejo de sondar a alma do legislador de há duas décadas, incutindo-lhe uma visão que achamos que deveria ser a dele.
Mas não é isso que lá está.
No caso do Mário é mesmo introduzida uma noção muito portuguesa nestas matérias que é a da necessidade de entender certas passagens da lei «em sentido lato», de forma a lá caber o que não está lá. A LBSE afirma que a administração E gestão E direcção dos estabelecimentos devem obedecer a critérios de democraticidade, mas devemos entender isso em «sentido lato».
Caro Mário, não me leve a mal, mas isso diverte-me. Hoje, até me diverte. Mas há dias e situações em que a coisa me chateia e me serve de sinónimo para a balda institucionalizada em que isto se tornou.
Entre nós há uma enorme tendência para fazer leis mal escritas e concebidas – ao contrário do mito urbano piedoso que afirma o contrário, que temos leis muito boas – que depois são interpretadas ao gosto do cliente. Em última instância são cumpridas, ou não, ao gosto do leitor-hermeneuta.
Todos os dias arrisco a minha vida na estrada em confronto com imensos cidadãos que interpretam no »sentido lato» as leis ou normas do Código da Estrada, em particular as da prioridade. A 100 metros da minha casa existe uma bifurcação em que, por norma, quem deveria ceder a prioridade (está lá o sinalzinho) interpreta de forma flexível e muito lata a questão e quase me passa a ferro. Eu que tenho direito a passar é que vou travando, fazendo sinais de luzes à noite e tal, para ver se não sou esborrachado. É uma caricatura, eu sei, mas a realidade é a mesma para outros níveis da nossa vida.
Há quatro anos, uma vice-presidente de um CE apelava a uma leitura «flexível» da legislação para reduzir as horas que a minha caríssima metade tinha para aleitamento da petiza, enquanto flexibilizava imenso outros horários, sem qualquer cobertura legal. Flexible, your ass, foi mais ou menos a minha resposta quando tive direito a meter a colherada. Parece que a colega teve pesadelos no dia a seguir à conversa, mas passou a ler a lei e não a flexibilizá-la em detrimento da sua colega-cidadã.
E isso chateia-me, claro que me chateia, e ainda mais quando elevamos a fasquia para leis estruturantes do Estado de Direito.
Vejamos: se a LBSE está obsoleta, mude-se. No tempo de David Justino, Jorge Sampaio vetou uma tentativa de a modernizar. Evocar os argumentos com que o fez e os apoios que teve nessa decisão seria algo que faria corar alguns actuais responsáveis do PS. Mas enquanto a LBSE for o que é, não tentemos meter lá o que ela não diz, seja em termos de conceitos, seja em termos de redefinição do que é democraticidade.
E a LBSE não é a Constituição Americana com mais de 200 anos e sete artigos com necessidade de serem interpretados à luz do século XXI.
Por isso vamos lá deixar a questão do «sentido lato» e fiquemo-nos pelo que está escrito efectivamente e de forma clara:
Artigo 46º, nº 1:
A administração e gestão do sistema educativo devem assegurar o pleno respeito pelas regras de democraticidade e de participação que visem a consecução de objectivos pedagógicos e educativos, nomeadamente no domínio da formação social e cívica.
Artigo 48º, nºs 2 a 4:
2- Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino.
3 – Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.
4 – A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.
Está cá a exigência da democraticidade e participação de todos na administração E gestão E direcção. Em nenhum lado temos concursos públicos e escolhas indirectas.
Poderíamos gostar que estivessem por ali formas dúbias. Mas por acaso até nem estão. E enquanto não mudarem a letra da lei, não há torcicolo interpretativo que lá meta o que não está.
Mas desde que já foram avistados simpáticos suínos a fazer ciclo-turismo, já acredito em tudo…
Dezembro 14, 2007 at 11:48 pm
Estou absolutamente d eacordo com o que dizes Paulo.
a mim, o que por vezes me chateia (talvez mais que o “sentido lato” que querem por força fazer valer)é o estranho conceito de democracia que algumas pessoas têm e defendem.
A democracia tem defeitos? Claro!
Mas, por agora ainda se inventou alternativa melhor.
E a democracia representativa,através do sufrágio directo ainda é a melhor das formas.
Não sei porquê, mas tenho visto ultimamente certas posições, que me dão um avontade de recuperar as canções d eintervenção….
Cheira-me tanto a bafio!!!!
Dezembro 14, 2007 at 11:51 pm
Eu já confessei o meu pendor abstencionista.
Mas tentem lá acabar com as eleições e a redefinir o que é um processo democrático, para me verem a rabiar.
É como com as comemorações do 5 de Outubro ou 25 de Abril.
Nunca me dizem tanto como quando começam a interpretá-las e reinterpretá-las no género “Abril É Evolução”.
Não, para o bem ou o mal foi Revolução.
Pronto.
Que medo do poder das palavras…
Dezembro 15, 2007 at 12:00 am
Vais ver que ainda aparece algum iluminado a estabelecer um conceito de revolução, no mínimo surrealista.
Dezembro 15, 2007 at 12:20 am
devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.
Esta coisa não estará um pouco, bem … como direi… quero dizer… hum … já sei: démodée?????? Pouco modernaça?
E a sacrossanta gestão? Subalternizada per omnia?
Agora sem ironia.
A barragem de conceitos tirados (muito mal, diria eu) do mundo mercantil parece-me ter um único sentido: munir de verbo fácil e oferecer uma oportunidade (sem aspas) a uns tantos carreiristas nervosos, retirando da cena a primazia daquilo que faz falta nas escolas: a experiência pedagógica.
Dezembro 15, 2007 at 12:27 am
Surreal era o cadáver exquisito!
Dezembro 15, 2007 at 12:33 am
Se bem percebo, o processo democrático define-se pela eleição. Havendo eleição, há democracia, não havendo eleição não há.
Se na escola o órgão de gestão não for eleito, não se respeita o princípio da democraticidade. É isso?
Dezembro 15, 2007 at 1:06 am
Eu acho que sim. Nas escolas.
Em sentido mais lato, nem sempre eleição é sinónimo de democracia. Mas isto é outra questão. Acho eu.
Dezembro 15, 2007 at 3:06 am
Ora toma!
E andamos nós aqui preocupados com os problemas da gestão!
Nós, tão cheios de vícios! Nós, os privilegiados! Nós, que não temos que dar satisfações a ningém! Nós, que até fazemos capelinha com os funcionários do ME! Nós, que até vamos ser protegidos porque irá haver negociação entre os sindicatos e o ME, e como somos todos amigos vamos encobrirmo-nos uns aos outros e deixar tudo como dantes!
E é tão simples!
“Em determinados casos é até desejável que as escolas possam ser dirigidas por pessoas que não adquiriram os vícios prevalecentes actualmente no sistema de ensino.”
http://dn.sapo.pt/2007/12/15/opiniao/autogestao_escolar.html
Talvez até ele se candidatasse para pôr ordem nas “tropas”!
Dezembro 15, 2007 at 4:33 am
Quando lhes da jeito, da-se uma carga pejorativa a experiencia de campo dos professores, e esta passa a chamar-se “vicios” !.
Dezembro 15, 2007 at 8:29 am
PAulo:
Eu acrescentava ao sublinhado que puseste no artigo 48, nº 2:
“(…) a administração e gestão (…)de democraticidade e de participação”
Acho que sai ainda mais reforçada a questão da democraticidade com a participação.
Dezembro 15, 2007 at 9:41 am
Reitor,
Não simplifique em excesso.
Não é a gestão.
É a gestão, a administração e a direcção.
Ou mudem a LBSE.
Até lá…
É como com a Constituição.
Embora esta na parte da Educação seja quase nula, tirando a estória da gratuitidade.
Dezembro 15, 2007 at 12:10 pm
maria lisboa, desculpe, mas, biotecnólogos ao poder, já! E o descaramento dos professores!? A trabalhar em escolas!? e serem pagos com o dinheiro dos contribuintes!? E estes sem poderem mandar nas escolas!? Muito estranho! Em qualquer país civilizado, os médicos projectam estradas, os engenheiros cuidam dos doentes e os investigadores de biotecnologia mandam nas escolas pagas com o dinheiro dos contribuintes. Os professores? não existem, a malta liga um hiperchip hipertecnológico ao olho do dito, e já está.
Dezembro 15, 2007 at 12:42 pm
“Vejamos: se a LBSE está obsoleta, mude-se”
Nãããããããoooooooo, não mudem a Lei de Bases, quando o fizerem vai ser para impingir os 12 anos de escolaridade obrigatória, e quando isto acontecer, lá teremos os agrupamntos verticais de escolas da creche ao 12.º ano, lá vão as secundárias ser invadidas pelos graúdos que nada querem fazer, lá se vão as poucas escolas públicas que ainda mantêm a matriz liceal!
Quando isto acontecer, não será uma tara deste ou daquele ministro da educação, mas sim uma medida consensual emanada da Assembleia. A escola, os alunos e os professores que aguentem.
Dezembro 15, 2007 at 12:46 pm
DA, eu não defendo a mudança da LBSE.
O que afirmo é que, se não a mudaram, não podem fazer como se a tivessem mudado
O que, aliás, já acontece, sem que ninguém pareça notar, com a forma de escolha dos Coordenadores de Departamento.
Aliás, esta proposta de novo modelo até resultará, em parte, de um certo imbróglio que poderá andar em torno das eleições para muitos CE’s.
Relembremos que o ME procurou, em legislação recente, proteger imenso os actuais detentores do poder, quase os “blindando” a investidas oposicionistas.
Só que agora existem paradoxos como não ser exigível o “título” para dirigir uma escola, mas sê-lo para dirigir um departamento.
Dezembro 15, 2007 at 12:58 pm
Pois o bestial concurso para titulares!
Mas se mudam o modelo de gestão e ficam lá os mesmos, nada se altera para melhor nas escolas.
Dezembro 15, 2007 at 1:00 pm
Em relação ao artigo “lincado” por Maria Lisboa:
Certas luminárias dispensaram o serviço dos professores como garantia de não ficarem analfabetas de pai e mãe e broncas até à medula! Sim, os professores são o alfa e o ómega das desgraças deste país, os fazedores de gente pouco ou nada qualificada, pelo que nos resta concluir que os ministérios (e demais serviços que estão sob a sua tutela) estão pejados de gente que frequentou a escola, daí a cambada de incompetentes que, apesar dos milhões e milhões de fundos comunitários, está a arrastar Portugal para o fundo do Atlântico!
Dos professores, só me resta dizer que são uma corja de incompetentes e inúteis, preguiçosos e viciados, malditos até à enésima geração e, por isso, enquanto não lhes cortarem definitivamente o pio, este país não sai da cepa torta!!!
Dezembro 15, 2007 at 1:13 pm
A visão do Miranda, é a tipica das famílias da classe média/média-alta que enchem, cada vez mais, os privados.
Mas quanto à lei final é capaz de ter razão, se tivermos em conta o que aconteceu ao estatuto do aluno na assembleia da républica.
Dezembro 15, 2007 at 5:12 pm
Para que conste: o Mário citado e comentado neste “post” não sou eu…
Dezembro 15, 2007 at 5:24 pm
Sei…