Alunos portugueses abaixo da média em todas as competências
O desempenho dos alunos portugueses de 15 anos é mais baixo do que a média dos seus colegas de 57 países a Ciências, Matemática e Leitura, segundo um estudo da OCDE. O secretário de Estado Adjunto e da Educação confessa estar insatisfeito com estes resultados, mas destaca a estabilidade destes de ano para ano.
Desde esta manhã que andei a tentar aceder ao texto da notícia que ouvi de raspão na TSF a caminho da escola, mas uma virose com riscos de se espalhar pela rede impediu-me de tocar num computador.
Agora que leio a versão completa, que no fundo apenas confirma o que sabemos, já posso finalmente fazer um pequeno conjunto de notas, que me parecem óbvias:
- Antes de mais, destacar que de acordo com Jorge Pedreira – mais valia não ter aparecido para dizer isto – devemos estar algo satisfeitos por termos estabilizado na mediocridade.
- Em segundo lugar que o que nunca se faz é comparar estes resultados com a avaliação destes alunos no plano interno. Porque algo que me interessava saber é quantos destes alunos com desempenho insatisfatório – ou comparativamente abaixo da média, pelos padrões internacionais – acabaram por ter avaliação positiva, nomeadamente no final do 3º ciclo. Porque o estabelecimento dessa relação seria interessante para perceber até que ponto – e é o que eu acho – o nosso sistema de avaliação obriga a empurrar para cima muitos alunos que depois se revelam estar pouco preparados, em termos de comparação internacional.
- Em terceiro, tentar perceber se as sucessivas queixas dos professores relativamente ao aligeiramento dos currículos e ao facilitismo que se foi institucionalizando nos últimos 15 anos não terá razão de ser, perante os maus resultados recorrentes dos alunos portugueses no PISA (realizados em 2000, 2003 e 2006). Provavelmente não será tentando simplificar as coisas que se conseguirão melhores resultados. Pelo contrário, só elevando os padrões de exigência melhoraremos a performance.
- Por fim, e esta é uma questão fundamental, não percebo como a criação de um ciclo de escolaridade inicial de seis anos, de matriz generalista, com professores, eles próprios, com uma formação cada vez mais superficial, poderá ajudar a inverter esta situação. Pelo contrário, a consequência mais óbvia será, aí por alturas do PISA 2015 ou 2018 ainda mais estarmos mais afundados na lista e o Secretário de Estado da época aparecer a congratular-se por ainda termos um ou dois países em pior situação.
Adenda: Documento teórico sobre o PISA 2006 (versão castelhana), onde no final se percebe que entre os especialistas seleccionados para o programa não existe nenhum português. O que pode ajudar a explicar muita coisa.
Dezembro 4, 2007 at 6:57 pm
O caminho está traçado e a tutela é surda a perguntas não conformes ao figurino.
Paulo
Deve haver engano no link http://www.tsf.pt/online/vida/interior.asp?id_artigo=TSF186083
referenciado a “Documento teórico…”
Dezembro 4, 2007 at 7:06 pm
Um dia, há muitos anos, no ano a seguir ao estágio eu estive numa escola onde um aluno transitou para o 6.º ano apenas porque tinha colaborado muito no projecto de Área-Escola sobre jardinagem. Tratava-se de uma pessoa que não sabia ler nem escrever.
Quem tomou a decisão foi o conselho de turma. Não me consegues pôr a pensar que o Ministério obrigou aqueles inocentes professores a transitar a criança. Desculpa, mas não concordo contigo. E acho mesmo que é urgente os professores olharem para a sua acção e assumirem a sua quota-parte na situação, em vez de andar à procura de outros culpados.
Dezembro 4, 2007 at 7:06 pm
Concordando embora com o Paulo no que respeita à questão do professor generalista, chamo a atenção para a leitura do relatório, disponível no site do GAVE, de cuja leitura destaco:
“De notar que, enquanto os alunos dos 7º, 8º e 9º anos exibem resultados
modestos – quando comparados com a média dos países da OCDE – os alunos
dos 10º e 11º anos revelam desempenhos muito acima dessa média. De notar
igualmente que a maioria dos países desenvolvidos apresenta ao teste apenas
alunos de um, ou no máximo, dois anos de escolaridade (tipicamente o 10º ou o
11º ano), dado que a retenção apenas é permitida em casos excepcionais nesses
países.
(…)
A análise anteriormente apresentada sugere a conclusão de que, se por um lado
os alunos portugueses, na sua totalidade, exibem uma evolução positiva no que
respeita ao seu desempenho a literacia científica, por outro, o insucesso escolar
e, em particular, a persistência da repetência são dos elementos que se
encontram na base de resultados menos positivos quando comparados com os
dos seus colegas dos países mais desenvolvidos. Os alunos dos 7º e 8º anos, em
particular, não possuem os conhecimentos e as competências mínimas exigidas
para poderem realizar, com sucesso, o teste de ciências do programa PISA.”
(p.13)
Pedindo desculpa pelo “lençol” pareceu-me importante não partir para possíveis soluções não tendo em conta estes dados. Considero que estava na altura de começarmos a exigir efectivas condições para ser possível acompanhar ao máximo todos os alunos, tentando não os “deixar encostados”. Talvez isso passe pela exigência de menos reuniões e papéis inúteis, e maior flexibilidade na organização da vida e do tempo nas escolas.
Dezembro 4, 2007 at 7:07 pm
Ferrão, o link já está corrigido.
AP, vou ler esse documento, embora me pareça que em parte o PISA testa alunos por faixa etária e não por ano de escolaridade. Nesse caso é possível que em Portugal muitos alunos de 15 anos ainda estejam no 7º ano, o que realmente pode distorcer os resultados.
De qualquer modo, em outros países onde a transição acontece e com 15 anos se estará quase sempre no equivalente ao 9º ano, a verdade é que os resultados correspondem a aprendizagens realizadas.
Mas há ainda um detalhe adicional: os testes são feitos por especialistas estrangeiros e isso pode implicar uma forma diferente de construir o instrumento de avaliação usado. Ora como cá já sabemos que os critérios variam de ano para ano, os próprios professores perdem referenciais no seu trabalho.
Dezembro 4, 2007 at 7:30 pm
Lalage, de um caso queres generalizar comparativamente para que escala?
Também eu assisti a muita coisa dessa.
E és capaz de explicar-me o porquê dessa situação?
Achas que é preciso ter um comissário do ME a cada esquina?
No ano a seguir ao teu estágio estava em implementação a alteração legislativa sobre a avaliação de 1992.
Lembras-te das orientações que existiam?
É que eu lembro-me do antes e do depois de tudo isso.
E é verdade que muita gente tem sempre um enorme coração (e depois acusavam-me de tudo e mais alguma coisa se me opunha a isso) e os outros são maus.
E é verdade que há, entre nós, quem concorde com isso e com muitas medidas do ME.
Mas devemos observar os resultados.
Devemos observar os processos.
Devemos perceber porque agem as pessoas como agem.
Ao apenas apresentares a situação – que MLR consideraria um “caso individual”, provavelmente não dramático – estás a tirar-lhe o contexto explicativo.
Claro que os professores devem corrigir-se em muita coisa.
Mas explica-me exactamente como é que os professores deverão agir, na tua perspectiva, e se, em tua opinião, o que está a ser feito é de molde a melhorar as coisas.
Porque eu sei de gente boa – que sempre conheci de uma forma – que se transfigurou nos últimos anos, como se finalmente tivesse chegado a “Noite das Facas Longas”.
Dezembro 4, 2007 at 7:41 pm
Eu apenas quis dizer que, em última instância, somos nós quem aplica as directivas. E revolta-me ouvir os colegas dizerem que vão passar os meninos apenas porque não querem ter trabalho com papeladas e recursos. E depois terminam com o fatalismo de “eles querem assim, nós fazemos assim”. E os alunos vão passando de ano para ano completamente analfabetos.
Resumindo, a culpa não é só dos professores, mas também é… Caso contrário, o que andamos lá a fazer?
Dezembro 4, 2007 at 8:19 pm
Sim, mas contra isso é que devemos agir e espicaçar.
Repito-te que atravessei essa fase, exactamente na altura em que deixei de dar 3º CEB e Secundário (1991/92) e comecei a leccionar 2º CEN (1992/93) e as pessoas em parte baixaram os braços quando se passou a reprovar com mais uma negativa do que antes e em que no 5º ano a exigência era a de passar, caso contrário era necessária mensa papelada.
E num CT decidiram passar um miúdo que nem o nome saioa escrever até ao fim, porque a DT e o excelentíssimo senhor secretário não queriam papéis e uma acta grande.
Então, como professor de LP, mandei uma página de voto de vencido para a acta e detestaram-me até à medula.
Dezembro 4, 2007 at 8:36 pm
Paulo
Concordo, claro! É muito relevante o facto de nesses países, em que as retenções são raras, as aprendizagens serem efectivamente realizadas. No entanto também melhora um pouco a nossa auto-estima saber que os nossos alunos que se encontram com 15 anos no ano de escolaridade correspondente têm um desempenho acima da média. E voltamos ao problema: como conseguir que todos progridam, mas com sucesso efectivo? Não conheço logicamente a solução, mas duvido que não passe por alterações a nível da nossa organização e que não envolva também algum aumento de despesas, o que parece não ser compatível com as prioridades nacionais 😦
Dezembro 4, 2007 at 8:40 pm
Eu, por acaso, não acho que seja necessário propriamente mais dinheiro.
Acho apenas que deve ser dada autonomia e responsabilidade aos professores num modelo não ditatorial e burocratizante.
Gostava que se definissem objectivos para os professores alcançarem, com estímulos positivos para quem os alcançasse e não amesquinhando toda a classe.
Se eu (este “eu” é abstracto) sentir que o meu papel é valorizado e que sou compensado pelo esforço, tendo a procurar demonstrar que tenho esse valor.
Se for maltratado, ameaçado e constrangido nos meus actos, o mais certo é desanimar e tender para o conformismo e a rotina.
Foi isso que o ME não percebeu.
Dezembro 4, 2007 at 9:04 pm
Lembro-me perfeitamente do ano lectivo 1991-1992, do final do ano lectivo em especial. Foi o único ano que estive a leccionar o 2ºCEB. Lembro-me do esforço que os DTs e alguns professores faziam para passar os miúdos e das observações mordazes e olhares assassinos que me lançavam a mim, como professora de LP, e à professora de História. Uma boca ficou-me bem arquivada “-Há professores e disciplinas que são intocáveis!”
Sinto orgulho por ter dado as notas que achava que tinha de dar e estive-me nas tintas para o que diziam, até porque 3 semanas depois já estava de férias e não tencionava voltar áquela escola, se dependesse de mim.
Voltei a sentir essa pressão de passar, excepcionalmente forte, cinco anos depois e novamente no ano passado.
Sempre tenho mantido a minha postura, postura que me permite pelo menos manter a cabeça erguida, no meio de “atrocidades” que são cometidas e das quais, como professora, sinto uma vergonha enorme. Vergonha pela classe que temos. Estas decisões estão sempre ligados ao medo de produzir papéis (o que me dá uma imensa vontade de gargalhar, nos tempos que correm) e ao medo de confrontarem EE, CE ou inspecções. Medo! Foi o que senti da parte de muitos colegas. Por isso acontecem coisas inesquecíveis em alguns Cturma, impensáveis noutros com professores mais íntegros.
Dezembro 4, 2007 at 9:12 pm
O problema reside na diferença entre a intenção que está por trás do sistema de ensino e condições de trabalho efectivo. A intenção é acompanhar o aluno ao longo da escolaridade, levando-o a cumprir os objectivos estabelecidos no final dos nove anos de escola. Na realidade, isso é impossível. Por diversas razões, não há sequer a garantia de continuidade de um ano para o outro. Uma dessas razões é a de não haver referências fiáveis: o currículo nacional é um monumento ao vazio palavroso. Os currículos (os de línguas, por exemplo), elaborados em espiral (isto é, retomam os mesmos conteúdos ano após ano com um pequeno acréscimo de complexidade), acabam por não estabelecer metas objectivas e verificáveis. Tudo isto podia ser definido a nível de escola mas ainda não chegámos ao nível de independência em relação o poder central para o pôr em prática.
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Em relação ao PISA, embora não possamos descartar os resultados por completo, este é feito tendo em conta outras realidades educativas. Por exemplo, a correcção linguística não é de todo tida em conta (aspecto valorizado em Portugal), uma vez que este é um objectivo de longo prazo nos países anglo-saxónicos. Tirando os ocasionais “spelling tests”, um aluno do primeiro ciclo raramente vê a ortografia corrigida.
Dezembro 4, 2007 at 10:24 pm
Pois e estão a esquecer-se do valor que é dado à escola e aos professores nesses países…
Coisa que aqui é surrealista.
Dezembro 4, 2007 at 10:48 pm
Há tantas coisa que se podiam fazer para aumentar a verdade das avaliações que nós fazemos sem aumentar um tostão o orçamento. Uma delas, tão simples, era modificar a escala de classificação para ZERO a VINTE.
Esta escala fala muito mais verdade do que a de UM a CINCO.
Dezembro 5, 2007 at 12:30 pm
[…] o problema é que a mensagem “não passou”. Ainda há uns posts atrás a Lalage se insurgia quanto a alunos passados sem condições mínimas, por Conselhos de Turma demasiado […]