Se acho que os indivíduos são, antes de qualquer outro aspecto e em circunstâncias normais, os responsáveis principais pelos seus próprios resultados, isso não significa que eles não sejam condicionados por outros factores, como por exemplo o ambiente social, cultural e económico onde se movem.
Já ouvi várias vezes a crítica de que, ao aceitar o contexto como factor activo no desempenho escolar dos alunos, estou a ceder a certos determinismos sociais fora de moda. Normalmente essas críticas ignoram que esta minha adesão a tais teorias é parcial, pois considero o contexto importante, mas não necessariamente decisivo. Sei também que sou naturalmente marcado pela minha vivência como aluno e docente, em grande parte passada em períodos e territórios em crise, ou “deprimidos”, ou em risco de exclusão, conforme queiram chamar-lhes. Só que essa experiência pessoal, mesmo que influenciando o meu olhar sobre os fenómenos socio-educativos. não significa que o que existe, deixa de existir. Porque existe.
Em alguns momentos, como quando se lêem os dados sobre o retrocesso do poder de compra do nosso ordenado mínimo, fico sem saber ao certo o que mudou – para além da parafernália de gadgets que potenciam muito mais as ambições e frustrações infanto-juvenis – ao longo das últimas décadas e se certas tiradas produzidas na época áurea das teorias da reprodução das desigualdades ainda não terão a sua actualidade, como estas de Torsten Húsen em estudo produzido em 1975 para a OCDE, em especial quando destaca que o sistema de ensino, por si só, não pode ser o Grande Equalizador:
O objectivo de uma maior igualdade das oportunidades e dos resultados só poderá ser atingido através de uma política de ensino. Exige esforços concentrados de todos os que têm a responsabilidade das políticas sociais e económicas aplicadas à sociedade no seu conjunto.
(…)
Assim, a educação compensatória isoladamente não pode servir de panaceia. Os recursos consagrados aos programas que beneficiam as crianças dos meios desfavorecidos com algumas experiências estimulantes e individualizadas antes de entrarem na escola são um exemplo típico da abordagem que ignora a análise dos sistemas. O facto de passar algumas horas por dia em companhia de adultos que se esforçam por despertar e estimular a sua inteligência produz um efeito mínimo, ou até nulo, sobre as crianças dos bairros de lata, se não forem tomadas simultaneamente outras medidas radicais para atacar as causas profundas da miséria cultural, como o desemprego e as indignas condições de alojamento. (Torsten Húsen, Meio Social e Sucesso Escolar, pp. 312-313)
Junho 19, 2007 at 11:28 pm
Parece-me óbvio.
Junho 19, 2007 at 11:56 pm
Mais do que óbvio! Basta ir às duas escolas da minha zona, para confirmar o óbvio!
E sabendo que muitos dos professores que agora estão na minha escola passaram pela outra, basta comparar os níveis de sucesso/insucesso que têm/tiveram nas duas escolas para se perceber que podendo ter importância como agentes, não são o factor decisivo.
Junho 19, 2007 at 11:58 pm
Já agora, onde está a excelência? Estes srs não progrediriam! Aceitável!!!! Apenas aceitável!!! Têm que refazer o TPC!!!!
União Europeia
Projecto de mandato da presidência portuguesa é «aceitável»
http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Internacional/Interior.aspx?content_id=40682
Junho 20, 2007 at 8:01 am
Persiste aqui alguma confusão de planos de intervenção e de responsabilização.
O professor desempenha uma função de responsabilidade ética perante o Outro-como-aluno.
Isso não o impede de ter uma postura política perante a sociedade. Não devemos é confundir os dois planos, para relativizar o papel do docente, seja por “bons” ou “maus” motivos.
Porque toda a análise que perverte a essência (palavra maldita nos nossos dias) da relação educacional, quer por razões sociais (educação compensatória), quer por motivos empresariais (escola virada para o mercado), acaba por INSTRUMENTALIZAR a relação pedagógica.
Como diz Kelchtermans, a VULNERABILIDADE do docente resulta do facto de não ter possibilidade de controlar as variáveis do seu trabalho. Daí resulta a necessidade de se empenhar como SER HUMANO na relação pedagógica, não havendo escapatória para considerações de ordem técnica ou instrumental. Ou melhor, poderá haver lugar, a partir do momento em que o docente abandona a sua razão moral ao sabor dos condicionalismos do mercado das opiniões (teoria da reprodução, educação compensatória, eficácia do sistema ou outras).
As metáforas sobre a educação operam um efeito terrível sobre o horizonte discursivo dos agentes educativos, afectando toda a sua praxis.
Com tanto especialista e terapeuta educativo, seria bom reflectir sobre a dimensão trágica da Educação, numa perspectiva de humildade e de dependência da relação de “estar-com”, em vez de tentar encerrar o Mundo numa teoria qualquer que nos instrumentalize e nos reduza a marionetas da Nomenklatura.
Junho 20, 2007 at 9:36 am
Só dois pontos, H5N1,
a) Eu ainda não escrevi o que penso aobre a responsabilidade dos docentes pelos resultados.
b) Cada vez sou menos favorável a essa teoria do <b>empenhamento pessoal</b>, em especial nas suas versões mais radicais, como regra na relação pedagógica.
Não é por nada, mas é porque, por muitas compensações e “realizações” que o docente tire disso, fica com os fusíveis queimados ao fim de relativamente pouco tempo. Normalmente a meio da carreira está pronto para ser deitador fora por ME’s como este.
Por isso, desculpe-me lá a franqueza, é uma mera técnica de sobrevivência e manutenção da sanidade mental mínima, recusar – como regra universal – esse empenhamento como “Ser humano”.
Para além de que, como ser humano que acho ser, dificilmente me poderia envolver de outra forma.
Há é níveis bem diversos de envolvimento.
Para além de que, em muitos casos observados de perto, esse empenhamento se presta demasiado a distorções – as benignas, mas também as outras que também passam por instrumentalizações.
Sou demasiado cínico quanto a isso, já sei.
Junho 20, 2007 at 10:11 am
Ser humano não é o mesmo que ser cristão ou masoquista. Aliás sou alérgico à metafísica dos afectos.
Quando recorro a esse termo, penso nos seres humanos interpretados na Tragédia Grega, transmutados por Nietzsche, recriados por Kafka, analizados por Freud, revisitados por Foucault, transcritos por Roth, realizados por Bergman, etc.
Mais uma vez, cada um responde a um conceito, integrando-o na sua própria rede conceptual.
Não devemos ser ingénuos, mas também não devemos ficar imunizados. Podemos ser implacáveis e duros como o titânio, quando fôr caso disso, mas também doces e revigorantes como o mel (com Omega 3!). Não para obter uma recompensa terrena ou celeste, para estarmos em sintonia com Deus, os astros ou o Big Sócrates, mas para continuarmos um determinado estilo de ser humano que consideramos moralmente importante.
O que é que isto tem a ver com a Educação? Eis a questão!
Junho 20, 2007 at 10:13 am
😀
Quase tudo passa pela Educação.
O problema é mesmo esse.
Junho 20, 2007 at 5:13 pm
E é esse o problema. Quase tudo, se não tudo, passa pela educação.
E o problema é distinguir o que é educação, o que é ensino, o que é instrução e perceber qual o papel primordial de cada um dos diferentes agentes sociais nestes campos e quais as interacções que resultam da sua acção.
E é aqui que se confunde tudo… e é aqui que se está a exigir à escola que a acção que é de todos seja resumida à análise de notas na pauta. E mesmo dessas notas que, em última instância, são resultado de dois actores se está a pedir contas a apenas um deles.
Claro que se pede e se espera que o professor se esforce na sua acção, como deve ser pedido e esperado de qualquer trabalhador, e claro que, como em qualquer profissão, uns dão tudo, outros nem tanto. O que não se pode é procurar um culpado pelo estado das ditas notas num único elemento do conjunto dos actores do processo.
Posso assumir a minha parte de responsabilidade, por poder ter feito mais, por poder ter-me interessado mais, por poder ter exigido mais, por poder ter desistido numa qualquer altura, por… ou por… mas nunca a assumirei como bode expiatório de um contexto que não funciona. Isso não! Não queiram despejar em cima de mim, enquanto professora, a culpa dos erros que cometem e dos quais nos queixamos há anos, sem que ninguém tenha tido o bom senso de ouvir quem, no terreno, está em contacto directo com a realidade.