Acho que já só consigo sorrir. Como em outros anos – é a minha terceira experiência em quatro possíveis – os critérios para a classificação das provas de aferição provam, de forma exemplar, várias asserções do pós-modernismo. A objectividade não existe, a linguagem constrói a realidade e nada por este mundo não faz, se estivermos para nos preocupar com isso, sentido nenhum.
Naquela parte da prova em que já não se descontafvam os erros de ortografia, pontuação e sintaxe (como desde 2001, recorde-se sempre aos mais distraídos), porque o que interessa é classificar a compreensão da escrita revelada pelo aluno, entrámos na fase do vale tudo menos arrancar olhos e olghem que mesmo assim se for só um, ainda escapa o outro e o Camões foi um grande poeta mesmo assim.
Do GAVE, de um Areópago de estimáveis especialistas que há várias décadas não enfrentam uma aula com petizes, agora já emanam indicações telefónicas para se classificar como boa qualquer resposta que se aproxime vagamente do sentido original do que é pedido na questão. Ou muito me engano ou daqui até sexta-feira (dia da entrega das grelhas com as provas classificadas) ainda somos aconselhados a adivinhar, tomando como bom, o movimento aparente da mão do aluno(a) quando escreveu a cruz no lugar errado numa questão de verdadeiro/falso ou escolha múltipla, por isso se ter devido a uma distração momentânea.
Esta parte da prova vale 25 dos 77 pontos totais. A ortografia é avaliada, no máximo, em dois parâmetros que valem 6 pontos, o mesmo se passando com a pontuação e a sintaxe.
Tá-se bem!
Junho 5, 2007 at 10:37 pm
6/77=7,8%. Percentagem interessante…
Na minha terceira classe (no Jurássico inferior), cada erro ortográfico dava direito a três “festinhas” da menina dos cinco olhinhos 🙂
O meu record: trinta no mesmo dia.
Junho 6, 2007 at 2:23 am
Isto dos erros merece muito maior reflexão.
Tentei contribuir um pouco com o texto “Os erros e os anões, as provas e as aflições”, do dia 3 de Junho, no meu blog.
Também sou desse jurássico inferior e o que é verdade é que, nessa era, éramos poucos os que lá íamos, e graças a essas manobras da palmatória alguns dos que tentavam lá ir deixavam de pôr lá os pés.
Não desejo voltar aí.
Junho 6, 2007 at 2:33 am
E só apanhei uma vez. Numa de masoquismo, inventei erros que não tinha dado para experimentar a dita. Não gostei nada.
Na minha escola, num momento misto – a aula de canto coral, levavam os cadernos fixados nas costas, com os erros dos ditados em exposição e ai de quem os tirasse. Brrrrrrrr.
Junho 6, 2007 at 8:25 am
Tudo bem, também assisti a isso.
Mas essa justificação ainda colhe 35 anos depois?
Não se inventou outra maneira de ensinar a escrever correctamente sem ser na base da humilhação e castigo públicos?
Será adequado, depois de eu ter trabalhado um ano a tentar que as turmas produzam textos correctos – sem os queimar em efígie no pátio da escola – que agora venham demonstrar que eu não passei de um sádico rigoroso?
😛
Junho 6, 2007 at 8:52 am
Acho que a pratica do ditado, da leitura em voz alta e da redacção – sem castigos corporais – é fundamental neste aspecto. Apenas o meu filho mais novo teve a sorte de encontrar uma professora primária exigente neste sentido (reformou-se logo a seguir).
Junho 6, 2007 at 10:43 am
É por essas e por outras que faço ditados aos meninos do sétimo ano, e os obrigo a ler em voz alta e a fazer redacções – e também a resolver problemas sem máquina de calcular e a explicar como os resolveram. Tenho colhido os frutos no nono ano, quando a esmagadora maioria é admitida a exame e quase todos passam. Mas dá muito trabalho, tanto a mim como a eles e aos Directores de Turma que têm que ouvir os pais queixar-se de que os meninos têm tantos trabalhos de casa e tantas coisas para ler e tantos testes e fichas, coitadinhos…
Junho 6, 2007 at 12:02 pm
Muito trabalho, certamente. Ensinar não é menos penoso que aprender. Mas só o esforço não recompensado desgasta. Aí entra a ignorância de pais que nem percebem o prémio que lhes calhou na rifa, e mereciam antes ver os filhos abrangidos por programas (anti) pedagógicos voláteis mas em voga.