Como já escrevi, o relatório final do debate alargado sobre a situação da Educação em Portugal promovido pelo Parlamento deve ter o mesmo destino de diversos outros produzidos em catadupa nos últimos 20-30 anos.

Normalmente destes relatórios só são aproveitadas pelo poder político as partes que se adequam às opções já previamente tomadas e que apenas esperam pela caução dos “especialistas”. Em alguns casos não fica nada, excepto o papel (agora já é menos, por causa dos suportes virtuais), umas linhas curriculares nos colaboradores e coordenadores e, espero, alguma compensação material pelo tempo gasto, que eu quase diria perdido.

No caso deste relatório, cuja leitura é útil, apesar de encontrarmos na equipa que o produziu muitos dos nomes de responsáveis não-políticos por boa parte das políticas educativas dos últimos 20 anos, achamos um conjunto de conclusões que seria interessante explorar. Embora sob a aparência da repetição do óbvio, parte do que se escreve – exactamente pela repetição – é importante para compreendermos as razões do nosso insucesso especificamente educativo, mas também do fracasso global das políticas sociais.

E é exactamente por aí que começam as «Propostas para melhorar a Educação nos próximos anos» (pp. 141ss):

1. Conceder especial atenção à educação das crianças (do nascimento aos 11 anos), dentro de uma política social global e não apenas escolar.

Esta proposta, como acima escrevi, entra resolutamente pelo caminho do lugar-comum recorrente no discurso educacional. É incontroverso que se deve dar especial atenção à educação das crianças; se é até aos 11 ou outros anos é uma questão de detalhe.

O que interessa é a parte final em que se declara que a atenção a dar à educação das crianças não deve – nem pode – passar apenas pelas Políticas da Escola, mas sim por uma política social global. Que é exactamente onde o Estado tem vindo a recuar em passo apressado nos últimos anos.

Não vale a pena apontar para o crescimento da rede pré-escolar no último par de anos, porque essa não é mais do que a faceta das Políticas da Escola que falhou mais redondamente nos últimos 30 anos. Quando se fala numa política social global, isso passa por políticas de apoio às famílias que não se limitem a arranjar espaços para depositar crianças a partir dos 3 anos. Passa pela protecção – a começar pelo mundo do trabalho – às mães e pais das crianças, permitindo-lhes condições que possibilitem um efectivo acompanhamento dos seus filhos, assim como às famílias não andarem permanentemente sob níveis de pressão que se reflectem depois em situações de ruptura.

O que nos diferencia, apesar de todas as medidas mais restritivas que possam estar a ocorrer em outros países, das nações mais desenvolvidas cujos modelos só importamos nas partes que precarizam as condições laborais e de protecção social, é que nessas paragens existem políticas pró-activas em matéria de natalidade e protecção à família, desde o nível dos abonos de nascimento e família a facilidades de horário para as jovens mães. Na Alemanha, a generalidade dos infantários da rede pública estão fechados às 4 da tarde porque as mães já puderam recolher os seus filhos. Na França e na Holanda os apoios às famílias “numerosas” começam a partir do terceiro filho.

Entre nós, o movimento é já de retrocesso, quando nunca se atingiram os níveis de desenvolvimento experimentados além. Nesse países, os eventuais recuos nas políticas sociais acontecem a partir de posições que para nós são apenas imagináveis. A flexisegurança na Dinamarca acontece num contexto completamente diverso do português. Nem vale a pena querermos fazer crer que entre nós funciona, a meio da escalada, algo que deu bom resultado para quem está no topo do monte.

Por isso, qualquer política pró-activa no sentido do sucesso educativo, medido pelos critérios de exames e provas de aferição (cuja existência não contesto) realizados sobre as aprendizagens desenvolvidas e adquiridas nas escolas, deve começar antes da escola e continuar depois dela. E em seu redor.

A Escola não é um oásis, nem à sua volta existe um deserto. É isso para que aponta esta proposta sensata, óbvia, mas sistematicamente ignorada. O contexto não é tudo, mas sem agirmos sobre o contexto envolvente, dificilmente as escolas conseguem funcionar como grande normalizador das desigualdades e como mecanismo compensatório das situações de vulnerabilidade económica e cultural. O que a sociedade não resolve, no seu todo, é resolúvel pela Escola?

Porque este é um fenómeno em que, como na teoria dos vasos comunicantes, é impossível termos altos níveis de desempenho num ambiente que comunica com outro(s ) em situação de extrema fragilidade.

Não chega despejar – nem que seja em catadupas – quadros interactivos e calculadoras nas escolas, se os alunos não chegarem lá com um nível mínimo de disponibilidade e predisposição para a aprendizagem, com a crença de que isso lhes será futuramente útil na sua vida.

Porque se continuarmos a apresentar-lhes como inevitável um modelo social em que as regras são desiguais, as oportunidades estão à partida condicionadas por factores estranhos ao mérito e as perspectivas de progresso cortadas, só podemos dar graças aos deuses do acaso por ainda termos alunos que se interessam vagamente por nos ouvirem e estarem dispostos a confiar em nós.

Nota final: Texto escrito muito rapidamente, depois eu apanho as gralhitas que por aí devem ter poisado.