Notícias recentes dão conta de episódios preocupantes: um docente-funcionário requeisitado na DREN leva com um processo disciplinar por fazer observações jocosas sobre o currículo do primeiro-Ministro; o Governo anuncia a intenção de criar uma base de dados com elementos sobre a próxima Greve Geral.

Numa primeira leitura, não completamente errónea, parecemos encontrar demasiados pontos de contacto com um passado que se jujgava ter ficado quase enterrado. A perseguição por delito de opinião, a estratégia da intimidação acenando com a identificação dos prevaricadores.

Num segundo momento fico na dúvida. Se isto fosse durante o governo Santana/Portas, caracterizado por um desajustamento imenso entre as ambições de controle da agenda comunicacional e uma manifesta inépcia quanto à implementação dos seus desejos, acredito que o valor real equivalesse ao facial. O que parecia, efectivamente era. E todos apareciam a apontar o dedo, do artigo de opinião mais remoto à Presidência da República seria um ai jesus de todo o tamanho, que a República estava em frangalhos.

Nos tempos do governo Sócrates, com a dupla Coelho/Vitorino na sombra, a caução académica de um Vital Moreira e uma série de (ainda) aspirantes de feiticeiro a dar a cara pela retórica governamental (Vitalino, Silva Pereira), assessorados por diversos pseudo-magos do marketing político, nem tudo o que parece é.

Para além de que já ninguém se parece inflamar tanto com as ameaças aos direitos. liberdades e garantias individuais. Na imprensa, vive-se o remanso do episódio da licenciatura de Sócrates, apagado quando certos alguéns acharam que o puxão de orelhas já chegava; na Presidência da República estamos em 1º mandato à espera do 2º, pelo que lá poderia estar a rainha de Inglaterra que seria o mesmo; entre os opinadores “de referência”, como as vítimas não são de grupos de pressão tidos como relevantes e até são encarados como conservadores resistentes à mudança, ninguém se encrespa por aí além.

Mas mais importante: a dramatização do clima político actual, com especial destaque novamente na área da Educação, assim como a aparente manobra de intimidação governamental para com os potenciais grevistas, serve exactamente a quem?

Quem ganha com essa dramatização? Quem considerará beneficiar com uma escalada do confronto e da tensão por estes dias?

Numa leitura das coisas, dir-se-ia que os sindicatos ganharão com a demonstração da acção malévola deste governo.

Mas num outro olhar – certamente mais cínico e que aprendeu com as cascas de banana do passado – eu arriscaria dizer que é o próprio Governo que joga no tabuleiro da dramatização. E até penso entrever por que razões o actual poder político achará que a dramatização do clima ante da próxima greve lhe será vantajoso.

Alguém me acompanha no raciocínio?

E já agora, como matéria adicional, leiam este excelente texto do Pacheco Pereira (“Poder:O Que é tem muita força”) no Abrupto, que reproduz com imagens, o que foi publicado ontem no Público. Porque é um dos poucos que se dá ao trabalho de ler nas entrelinhas.