Municipalizar a Gestão das Escolas e da Contratação dos Docentes
A maior parte dos opinadores que apresentam uma maior intervenção das autarquias na gestão do sistema escolar/educativo como uma solução positiva e salvífica, em especial os que entram pela azinhaga tortuosa e sombria da própria contratação de docentes, ou desconhecem como funcionam muitas autarquias neste tipo de assuntos ou então pensam que vivem em outro país e que os modelos do “lá fora” é que são bons.
Confesso que ainda em finais dos anos 80, exactamente no contexto da transferência de algumas das competências do Estado Central para as autarquias, passei episodicamente pelo sector da Educação de uma Câmara como técnico superior. Entrei por engano, porque a pessoa que devia ocupar o lugar tinha preferido uma colocação mais rentável como cooperante algures. Estive lá 15 meses, os últimos 3 já em processo de descolagem por completa incompatibilidade com a forma de funcionar dos meandros dos processos de decisão. Ainda tive tempo de ver como se faziam os planos de transportes escolares, inflaccionado a quilometragem até ao infinito para maximizar os fundos recebidos do Estado, assim como eram distribuídos os apoios às escolas conforme as cores dos seu(ua)s directore(a)s.
O espectáculo era triste; pareceres que não saíam das gavetas do Chefe de Divisão. Recusa de apoios só porque determinada escola não era “amiga”, pelo que o material escolar demorava, demoraaavvvaaaa a chegar, assim como a manutenção dos edifícios.
E pouco mudou desde então, sendo “exemplar” como diversas autarquias têm gerido o dossier do prolongamento do horário das escolas do 1º ciclo, desde a diferença entre as verbas recebidas e as pagas à forma de contratar os serviços em causa. Ou mesmo como apoiam ou deixam de apoiar iniciativas de agrupamentos e estabelecimentos de ensino sobre os quais não têm uma responsabilidade directa.
Municipalizar mais o sistema educativo em nome de uma ligação mais efectiva ao meio local ou alegando que assim a avaliação “externa” do desempenho será mais eficaz pode ser uma excelente ideia que pode correr muito mal como tantas outras boas ideias que tanta gente já teve. Há sítios onde os autarcas estão verdadeiramente envolvidos na promoção de uma Educação de qualidade, mas há muitos outros em que os aparelhos partidários varrem e cilindram todo o interesse público e funcionam como meras agências de empregos e serviços.
Todos sabemos isso e muitos o admitem, excepto os que o sabem bem melhor do que os observadores externos.
Deslocar a responsabilidade de contratar docentes para as Câmaras, só mesmo no caso de necessidades residuais ou muito específicas. Ir mais além será criar uma manta de retalhos e fazer os docentes depender dos humores e interesses dos poderes do momento.
Não me venham com história do “peso” de um sistema nacional e centralizado. Até parece que o nosso país tem muito mais de 500 quilómetros de Sul a Norte e que em duas horas não se chega de qualquer ponto à fronteira ou ao Atlântico.
Um sistema nacional em Espanha, França ou Itália poderá ser complicado de gerir. Neste torrão com 10 milhões de almas afirmar isso é passar um enorme atestado de incompetência ao Estado. O que é estranho se for o próprio estado a certificá-lo.
Novembro 20, 2006 at 8:16 pm
Não é preciso procurar muito. Onde moro, a gestão do funcionamento ( no 1º ciclo) das tais 2 horas pós lectivas é uma vergonha. Os amigos e conhecidos foram convidados a formar empresas, daquelas “na hora”, para puderem “concorrer” ao que já lhes estava destinado. As regras de “concurso” para os ATL em parceria com a câmara municipal alteraram-se conforme a empresa que concorria. Familiares de determinado vereador estão a trabalhar em parceria com a c. m.. Ainda a história do presidente de junta que descaradamente diz alto e bom som que primeiro estão os familiares, mesmo que outros educadores tenham provas dadas… paciência!
Por tudo isto e mais alguma coisa a educação não pode nunca depender das autarquias. A todos os níveis.
Novembro 20, 2006 at 9:28 pm
Todos conhecemos casos como esses, menos certos opinadores como Miguel Sousa Tavares ou o António Barreto do alto das suas cátedras intocáveis.
Em Lisboa foi o que se viu com o contrato para aulas de Inglês.
Os casos concretos de descaramento e caciquismo puro e duro andam por todo o lado.
Quem não quer ver, não veja, mas pelo menos não obrigue os outros a abanar a cabecinha e a dizer que a municipalização da Educação é uma solução quando seria o agravamento do problema.
Novembro 20, 2006 at 9:31 pm
Dou de barato o argumento que aponta a dificuldade de importar o modelo de intervenção autarquica na gestão das escolas. Funciona lá fora, não funcionaria cá dentro a menos que as autarquias fossem o que não são hoje. Hoje fazem rotundas com os impostos cobrados por outrem. Esse é um modelo fácil e desresponsabilizador. Sempre que falta dinheiro diz-se que é o estado que não dá mais… Isto gera um perfil típico de autarca Português que está mais próximo do Coronel do Sertão Brasileiro do que o do autarca responsável e responsabilizado que um dia nascerá (I hope)…
Retomando o assunto, esquecendo as autarquias, e proseguindo por essa “azinhaga tortuosa e sombria da própria contratação de docentes”, pergunto então se o Ministério não poderá dar autoridade e poder executivo a quem gere a escola em proximidade: o conselho executivo.
Poder para contratar, despedir, enfim gerir… Claro está que isto implica que o conselho seja, pelo menos em parte, nomeado pelo Ministério uma vez que é ele que paga e é ele que tem de avaliar o desempenho do conselho. Alguma coisa contra? Eu bem sei que este é um modelo “importado lá fora”, mas que posso eu fazer se tenho o vício de me querer inspirar nas boas práticas. Se calhar devemos esperar que nós próprios “re-inventemos a educação e seu modelo de gestão” (dava título de livro da Benavente). À boa maneira dos pós-modernos devemos esperar que o modelo de gestão se encontre a si próprio, não devemos forçá-lo… Devemos assumir a nossa condição de Pais de excepção, com pessoas tão excepcionais que não há modelos importáveis, por melhores e mais validados que sejam, que possam pegar neste Pais.
Aconselho cautela em seguirmos essa via: Por alguma razão a expressão “País de inventores” tem sentido tão prejorativo em Portugal.
Novembro 20, 2006 at 9:42 pm
Conselhos Executivos nomeados pelo patrão-Ministério com direito de vida e morte sobre os professores?
Já tivemos. Não é invenção.
Só que chamavam-se reitores e o Estado era Novo.
E não ia tão longe.
O problema não é o modelo ser “de fora” e nós sermos um país “de excepção”.
É que o modelo que preconiza não é maioritário e não é necessariamente o ndos países mais desenvolvidos em termos educacionais porque, penso que o sabe, por exemplo a rede pública de escolas dos EUA é bem mais frágil do que a nossa.
Pode apontar o sector privado como de excelência em muitas áreas.
Mas então convença os privados nacionais a não serem subsidiodependentes ou a não segregarem social, economica ou religiosamente os alunos que admitem.
Novembro 20, 2006 at 9:54 pm
“Claro está que isto implica que o conselho seja, pelo menos em parte, nomeado pelo Ministério uma vez que é ele que paga e é ele que tem de avaliar o desempenho do conselho. Alguma coisa contra?”
Bom…eu começava por lhe perguntar como é que o Ministério nomearia pelo menos um elemento por cada Conselho Executivo? Não é nada contra. É que gosto de discutir propostas exequíveis e ainda não sei se esta o é.
Novembro 20, 2006 at 10:20 pm
O ministério da saude não nomeia gestores para cada hospital? Qual a diferença?
Novembro 20, 2006 at 10:54 pm
Muita.
Antes de mais não compare o orçamento de uma Escola com o de um Hospital.
Novembro 20, 2006 at 11:14 pm
A diferença começa pela dimensão do universo ManyFaces. Compare o número de hospitais e o número de escolas. O que está a defender, na prática, é a centralização soviética da gestão das escolas. É exactamente o contrário do liberalismo que aparentemente pretende defender. Assim não vamos lá. Prefiro que me venha propor o cheque-educação. Isso sim, seria uma medida liberal, com a qual não concordo devo dizer. Mais centralização num sistema profundamente centralizado como é o sistema educativo português é como dar heroína ao toxicodependente: alivia a ressaca mas o “junkie” continua agarrado ao pó.
Novembro 21, 2006 at 9:51 am
Paulo: nãpo é comet´srio sobre esta sua entrada-mas apenas o servir-me do seu spitio para aconselhar todos a seguir o que me veio, em 1ªmão, já há unss dias:
Vejam -sugestão de abordagem de um excerto d’Os Lusíadas no 9º Ano:
http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDMateriaisDidacticos/trabalhos/90_Lusiadas_3C.ppt
Assim eles vão adorar Os Lusíadas 🙂
Novembro 21, 2006 at 11:37 am
PJ, diga-me lá com franqueza, tem a certeza de não estar ligado – nem assim de longe – ao Ministério David Justino.
É que olhando deste lado do ecrã tem todo o ar.
😉
Novembro 21, 2006 at 5:05 pm
Nunca estive ligado ao Dr. David Justino, pessoa que só conheço através do seu blogue Quarta República. Foi através dele que lhe pude dizer directamente que considerei a sua actuação política como Ministro da Educação globalmente negativa.
O PêGê deve considerar-me uma pessoa muito importante, mas asseguro-lhe que pertenço à arraia miúda. O único cargo que desempenhei no Ministério da Educação foi há mais de uma década como consultor em tempo parcial no então Departamento do Ensino Secundário. E foi tudo.
Novembro 21, 2006 at 8:44 pm
As escolas são muito mais do que os hospitais, têm um orçamento mais pequeno. So what? Não podem ser geridas por profissionais em gestão? Não acham que as mercearias precisam tanto de gestão como os supermercados? Assim o entendeu o meu merceeiro da esquina que prospera com a sua abordagem de produto-genuino-Português. Vão lá dizer-lhe que o seu sobrinho-gestor não lhe deu a volta ao negócio…
Quanto às acusações de centralismo não entendo… Só por defender que o Ministério deve nomer gestores para as escolas? Quem paga nomeia, é assim que funciona na EDP, na Coca-Cola, na Sonae, nos hospitais… enfim em quase, quase todo o lado… menos nas escolas…
Mas obviamente que não se pode limita a nomear: atribui orçamento mais a respectiva autoridade e responsabilidade para o gerir. E não chamem a isto centralismo. Chamem-lhe “proteger o investimento” e munir as escolas de verdadeiros conselhos executivos (que executem mesmo, e não como agora em que o máximo que executam são os horários e as contas da luz ao fim do mês).
Novembro 21, 2006 at 9:10 pm
É centralismo.
Vá lá, nada de sofismas.
E explique-me como é que se nomeiam centenas de gestores competentes, mas desconhecidos.
No Estado “Velho” eram umas poucas dezenas de reitores.
A coisa fazia-se.
Agora ia ser o bom e o bonito a nível de politização dos cargos ou alguém acha que os gestores dessas empresas e/ou institutos públicos estão lá pelos belos olhos?
Os Armandos Varas e Fernandos Gomes desta vida airada?
Amigo Manyfaces, lá estou eu outra vez. Traga uns contentores de ética nórdica e a malta inocula o pessoal de cá atrás da orelha.
Mas já agora, e que tal a provocação de eu achar que proporção de Escolas bem geridas é superior à de empresas na mesma situação?
Novembro 21, 2006 at 9:12 pm
Ao PJ.
Não é considerar mais ou menos importante.
É apenas perceber que acedeu a informação a que nem todos acedem.
Just that.
Quanto ao ministro David Justino – e não sou laranjinha e nunca lhe dirigi palavra – acho que podia ter sido um excelente Ministro.
Mas parece que ando quase sozinho nesta opinião.
Novembro 22, 2006 at 9:16 pm
A provocação do PG é facilmente desmontável 🙂 Não se pode dizer que haja escolas bem geridas porque infelizmente não são geridas de todo… Se é que me faço entender. Vale mais uma coisa ser mal gerida, do que não o ser de todo. No primeiro caso o sistema tende para o vácuo, no segundo tende para o desaparecimento, o que é bastante saudável porque regenera o ambiente… A não-gestão gera apenas “águas estagnadas”.
Novembro 22, 2006 at 10:03 pm
Explique-me a diferença entre tender para o vácuo e tender para o desaparecimento.
😉
Logo hoje que no DN se tem um exemplo das belas práticas empresariais.
Novembro 22, 2006 at 11:42 pm
Manyfaces, donde lhe vem tanto CONHECIMENTO sobre como são realmente geridas as escolas?
Adoro essas generalizações!… Parece um especialista, palavra de honra! Daqueles que nunca puseram pés no terreno para observar a realidade! 😉