Ora aqui vai mais um pequeno texto, um pouco como o Efeito Boomerang, para suscitar mais a discussão do que a anuência, porque talvez seja hora de olharmos para as nossas próprias culpas em tudo isto.
Neste momento existe uma união conjuntural entre a larga maioria dos docentes em relação às propostas ministeriais. A reacção, mais ou menos informada, mais ou menos emocional, mais ou menos politizada, não deixou de ser extremanente positiva e para mim uma agradabilíssima surpresa atendendo ao que se observa em muitas Escolas em termos de aproveitamento das mínimas hipóteses de clivagem entre colegas de profissão.
Não nos iludamos: a estratégia do Ministério passou e passa por suscitar divisões entre a classe, prometendo a uns cargos de relevância simbólica e algum poder efectivo sobre os restantes, para melhor impôr as suas medidas. O alargamento aos professores no 8º escalão da possibilidade de acederem a titulares e até a repescagem de alguns do 7º passa por aí. Na prática, em termos salariais, apenas lhes darão aquilo a que já tinham direito mas investem na vaidade alheia e no desejo de sobressair por entre as massas como forma de dividir as hostes.
Até agora a coisa ainda não funcionou, mas pode vir a funcionar se todos não se compenetrarem que é mais o que une a classe docente, do que aquilo que nos divide, apesar da enorme diversidade na origem e formação dos docentes.
E aquilo que por vezes o quotidiano nos devolve como reflexo das práticas de alguns de nós nem sempre é animador. Ao longo dos anos assisti a muitas tristes formas de docentes se esforçarem por demonstrarem o seu “estatuto” de superioridade perante outros, das formas mais mesquinhas possíveis. Em tempos de contratado já assisti a lugares reservados nas salas de professores para determinados figurões e ao modo ostensivo de não dirigir a palavra aos novatos; em outras paragens, não muito distantes em termos de tempo, presenciei colegas que por leccionarem apenas Secundário se sentiam lesados na sua dignidade quando precisaram de ver o seu horário completado com turmas do 3º ciclo; mesmo já como QZP assisti a um Coordenador de Departamento de uma EB2+3 que declarava que certo docente que queria intervir numa discussão sobre a distribuição dos tempos lectivos no 3º ciclo, tão só por ser do 2º ciclo, não o deveria fazer por não ter nada a acrescentar de relevante. Recentemente vi uma pessoa e colega que sempre achei de natureza ponderada e séria afirmar que, “como estou há muito tempo a dar 9ºs anos, não me sinto à vontade para ir dar aulas de substituição a um 7º ano“.
Enfim, para mim isto é profundamente confrangedor porque, na maioria dos casos, isto são apenas formas patéticas de, no reino dos pequeninos, alguns se mostrarem menos pequenos do que os seus pares. Ou, de acordo com a metáfora orwelliana, mostrarem que sendo todos nós iguais, há alguns mais iguais do que outros.
E não tenham dúvidas, a estratégia do ME passou desde o início por fomentar este tipo de pequenas ambições e vaidades, desde logo procurando arregimentar para o seu lado os Conselhos Executivos, seduzindo-os com reuniões e a atribuição de uma importância e poderes acrescidos. Assim se entendendo a forma de os querer blindar perante o exterior.
Mas claro que o verniz é fino e para os mais renitentes e resistentes sobraram as ameaças mais ou menos veladas de consequências disciplinares em caso de não submissa adesão às ordens.
E o mesmo se está a passar e passará com a generalidade dos docentes, se os interesses particulares substituirem o interesse geral de todos. Adaptando o que bem cantavam há uns anos os Manic Street Preachers, se tolerarmos isto, a seguir seremos todos nós.
Novembro 17, 2006 at 3:37 pm
Meu caro Paulo
Infelizmente, não tenho a menor dúvida de que essa estratégia ministerial do «dividir para reinar» vai dar (já começa a dar) os seus frutos, atendendo ao imenso bovinismo da maior parte da classe docente, à sua cobardia misturada com uma não pequena despolitização, e àquele fenómeno «humano, demasiado humano» a que Freud chamou «narcisismo das pequenas diferenças», e que, consiste, como o Paulo muito bem referiu, em exacerbar uma ínfima vantagem simbólica (meramente simbólica) que permita a um sujeito superiorizar-se sobre os seus pares. Não será outro o resultado do novo ECD que o Ministério pretende impor. Se ainda existe, nas escolas, um ambiente de trabalho que não se pauta pelas assimetrias, pelas micro-relações de poder, pelo despotismo, pela discricionaridade e pelas pequenas traições que fazem o quotidiano de muitas das empresas do tão elogiado «sector privado», receio bem que esse tipo de lei da selva se vá instaurar nos estabelecimentos de ensino, tornando o ar verdadeiramente irrespirável. Quanto à democraticidade na gestão das escolas e no funcionamento dos grupos de docência – uma daquelas «conquistas de Abril» que hoje está na moda menosprezar -, também isso acabará triturado às mãos do novo ECD, mediante a imposição da figura do «professor titular» e da multiplicação subsequente de cargos a que se acederá por procedimentos não-democráticos. Confesso que esse cenário me inquieta muito mais do que a questão (sem dúvida importante) do torniquete que impedirá os professores de auferir os vencimentos do topo da carreira. Pois estaremos não só mal pagos, mas também a trabalhar em ambientes laborais insuportáveis.
Novembro 17, 2006 at 6:15 pm
Assino por baixo.
Novembro 17, 2006 at 8:35 pm
Tenho muita dificuldade em perceber porque é que se traça um quadro particularmente cruel da relação entre profissionais do mesmo ofício, neste caso professores, e se continua a defender a famigerada “gestão democrática das escolas”. Se o sistema que vigora nas escolas ao nível da gestão é democrático, então a única conclusão que posso tirar é que não sou um democrata.
Em democracia dois dos princípios básicos são a prestação de contas e a limitação de mandatos de cargos executivos. Isto não existe nas nossas escolas com o actual sistema de gestão.
Novembro 17, 2006 at 10:49 pm
Meu caro PJ, nem entre por aí que entra por um caminho completamente avesso á sua argumentação.
O que eu mais gostaria de ver era uma política ministrial que limitasse a três, por exemplo, o número máximo de mandatos nos órgãos executivos.
Ora o ME pretende exactamente o inverso: perpetuar os mesmos nos postos de poder.
Quanto à crueldade entre colegas, ela não é um mito e é uma constante dos grupos humanos.
Só o benaventismo-stoerismo (uma das variantes de maior sucesso do “eduquês”) é que nas últimas décadas ainda quis fazer acreditar que o “bom selvagem” está entre nós.
E como se prestam contas se as pessoas elegíveis são uma minoria?
Já reparou que se uma escola tiver 70-80 docentes (número razoável para muitos estabelecimentos de ensino do país, nomeadamente as EB2+3), um terço desse número são pouco mais de duas dezenas de professores.
Agora faça contas e distribua-os por Conselho Executivo, Assembleia de Escola e Coordenação de Departamentos/Conselho pedagógico.
Não chegam.
Ou acumulam necessariamente.
Pelo menos agora, essas acumulações ainda são relativamente para-legais.
Novembro 18, 2006 at 12:51 am
“O que eu mais gostaria de ver era uma política ministerial que limitasse a três, por exemplo, o número máximo de mandatos nos órgãos executivos.”
Como já disse concordo em absoluto com a limitação de mandatos. Como considero que em democracia a limitação dos mandatos constitui um pilar de um regime democrático, concluo que a “gestão democrática das escolas” não obedece a este requisito crucial. Logo, não pode ser apelidada de democrática.
Quanto à prestação de contas pensava essencialmente na fiscalização do funcionamento do Conselho Executivo pela Assembleia de Escola que, em muitos casos, me parece ser mais formal do que substantiva.
Quanto à crueldade e mesquinhez sei muito bem que ela existe e já a constatei em exemplos muito similares aos que mencionou. Penso que ela poderia ser mitigada por um poder executivo forte, consistente e justo, que cortasse cerce as tentativas de perpetuação de castas, vantagens e privilégios. Por exemplo, instituindo que, com algumas excepções por motivos óbvios relacionados com a oferta curricular, os professores leccionassem desde o 3º ciclo do ensino básico ao ensino secundário numa escola com estes ciclos de estudos.
Novembro 18, 2006 at 11:45 am
Os abusos não têm nada a ver com a “gestão democrática das Escolas” se a entende como era entendida em meados dos anos 70.
Esse modelo desapareceu há muito, tanto no plano legislativo como na prática.
O fantasma que por vezes é erguido é apenas um espantalho meio abandonado, que é útil agitar de quando em vez.
O que resta de um regime democrático nas Escolas é a possibilidade, já de há alguns anos a esta parte com limitações, serem todos eleitores (embora conheça casos que limitaram esse direito a contratados) mas nem todos elegíveis com base em critérios nem sempre muito claros.
Porque, se o medo é que pessoas sem um perfil de competências adequado cheguem a posições de poder, não percebo porque há mais cuidados com as Escolas do que com o País.
😉