Não são poucas as vozes que, em nome da racionalidade da gestão dos meios financeiros e humanos e das teorias organizacionais, insistem em querer comparar escolas a empresas.
Penso que é pode demais evidente que não são organizações – vamos lá aceitar o termo – comparáveis, por muitas razões. Antes de mais porque o “produto” de uma escola não é comparável ao de uma indústria ou mesmo de uma empresa comecial ou prestadora de serviços.
O desempenho de um professor não pode ser facilmente medido em termos qualitativos, pois ele é apenas uma das variáveis do processo de ensino/aprendizagem e não é o único responsável pelos seus resultados. Podem quantificar-se as aulas dadas, podem quantificar-se os resultados dos alunos, mas o nexo causal entre o trabalho do docente e os resultados dos alunos não é sempre muito linear pois depende de muitas circunstâncias que escapam ao controlo do docente.
Se mesmo no caso de um médico é teoricamente (mesmo se difícil) possível analisar o seu desempenho, não só em termos de consultas dadas, mas de sucesso na sua intervenção (afinal, a pulsão para a cura é a razão da própria ida ao médico), no caso dos docentes os actos finais de todo o processo não dependem de si mas de outrém. Pode argumentar-se que todos os alunos desejam o sucesso, mas isso não é assim tão simples.
Se um juiz pode ser avaliado pelo número de processos concluídos, mesmo se a sua celeridade depende da complexidade dos casos ou da intervenção dilatória das partes, a verdade é que é ele(a) que conduz todo o decorrer do processo. No caso dos docentes, o trabalho de um só é apenas uma parte de um conjunto mais vasto.
Isto pode parecer pouco claro ou desculpabilizante para algumas sensibilidades, mas não é verdade. O mau desempenho de um docente pode não ser passível de quantificação e, muito pior do que isso, os indicadores que se pretendem usar para o fazer são dos mais fáceis de manipular. Classificar um professor pela quantidade de aulas dadas é simplista de mais. desde quanto muitas aulas equivalem a boias aulas ou a aulas produtivas? Assim como classificá-lo pelas classificações atribuídas aos alunos é um convite à mistificação mais básica pois, em última instãncia, o professor estaria a avaliar-se a si mesmo ao atribuir tais classificações e a carne é fraca.
Não digo que é impossível avaliar o desempenho de um professor. Aliás, eu até nem sou muito ortodoxo nessa matéria. Tenho pessoalmente escasso receio da intervenção dos Encarregados de Educação e dos próprios alunos nesse processo. Mas como sistema generalizado não o acho correcto nas nossas condições actuais.
Numa empresa podemos considerar que o desempenho dos seus gestores e trabalhadores é feito pelos seus clientes, pelo mercado e pelo (in)sucesso nos negócios. Mas mesmo aí esse é um método altamente falível, pois há muito boa empresa cujo sucesso se baseia apenas no baixo custo e não na qualidade do produto. Veja-se o sucesso das chamadas “lojas dos 300” e respectivos fornecedores. Comparativamente são um enorme sucesso.
No caso de uma escola, a avaliação dos docentes pode e deve ser feita pelos órgãos internos com competência para tal, eventualmente com a intervenção de algum elemento externo, mas sempre tendo em atenção que o melhor método é aquele que passa pelo acompanhamento e pela observação quotidiana do trabalho de cada um.
Claro que isso exige um grande esforço de imparcialidade e uma responsabilidade acrescida perante os colegas. Mas sejamos claros, essa componente de avaliação é parte importante do trabalho docente, sendo exercida quotidianamente em relação aos alunos.
Claro que isso exige uma ética de rigor, noções de justiça e equidade e traços de carácter que nem sempre estão ao alcance de todos. Mas como dizia um comentador, por algum lado se há-de começar. Eu não sei a fórmula certa e certificada para o fazer. O que sei é que os critérios não podem ser os puramente empresariais. Antes de mais porque não percebo porque serão esses mais válidos do que outros. Em seguida porque a realidades diferentes não se podem aplicar modelos iguais.
Revertendo uma linha de raciocínio que já várias vezes me foi apresentada aqui neste blog, não podemos ser defensores de avaliações diferenciadas conforme os desempenhos e de uma definição clara das diversas competências dos agentes envolvidos no processo educativo e depois sermos fundamentalistas na aplicação de uma fórmula igualitária para todas as carreiras da função pública ou mesmo para todo o tipo de organizações.
Novembro 16, 2006 at 3:45 pm
Não querendo repetir argumentos que já utilizei em vários comentários anteriores, deixo apenas umas notas adicioanis para reflexão:
Em muitos paises e em particular, a Inglaterra e os EUA que conheço bem, as melhores escolas são privadas. E por melhores entendo aquelas que são objectivamente melhores em análises comparativas do desempenho dos alunos. Essas escolas são empresas. Utilizam métodos organizativos e processos em tudo semelhantes a qualquer empresa e dada a procura que têm e os resultados que obtêm, por certo que terão um modelo de organização bastante bom…. Os professores que lá dão aulas são seleccionados e avaliados criteriosamente, de variadas formas (feedback dos Pais, avaliações objectivas, progressão dos alunos, avaliação directa do reitor). E então a minha questão é esta: Porque se deve assumir que uma escola pública tem de ter uma natureza diferente duma privada (no que toca a organização de pessoas e processos)? Para mim e até prova em contrário a única diferença entre a escola pública e privada tem a ver com quem investe na escola, quem suporta os custos da escola. Nas públicas o investimento é 100% do estado, nas privadas são os alunos que as pagam ou as bolsas de mérito que consigam arranjar. E a principal razão pela qual nesses paises as escolas privadas são melhores tem a ver com o facto de terem mais dinheiro do que as públicas. Há Universiades públicas nos EUA (conheço o caso de Princeton) que têm tanto dinheiro de propinas e doações de ex-alunos e filantropos, que conseguem até ter um sistema de bolsas autónomo para alunos com fracos recursos (o que significa que estas escolas são de elite, mas uma percentagem significativa dos alunos têm baixos rendimentos).
E eu pergunto, a escola pública, utilizando o dinheiro do estado, não pode funcionar como as escolas-empresa privadas? Porque não? Os objectivos educativos são diferentes, os Professores são “diferentes”? O dinheiro tem por certo a mesma natureza: é escasso e tem de ser gerido de forma eficiente. Ora as ferramentas e processos de gestão têm uma base comum que se aplica a toda as organizações. Obviamente que é diferente gerir uma escola, uma cadeia de restaurantes ou um hospital. A gestão tem uma vertente de especialização em que a natureza da empresa deve ser tida em conta. Agora argumentar que uma empresa-escola deve ser gerida de forma diferente se for pública ou privada, não concordo. E se alguém concorda por favor avancem com os argumentos.
Novembro 16, 2006 at 3:47 pm
Correcção: Princeton é uma escola privada, obviamente.
Novembro 16, 2006 at 5:19 pm
Mas eu não discordo de nada disso.
Nem sequer discordo do facto de a Católica ser uma excelente Universidade.
Aquilo para que chamo a atenção é para a evolução muito diferente dos dois tipos de sistema de ensino.
Em Portugal, a sociedade civil nunca conseguiu erguer um “sistema” de ensino, apenas criou alguns pólos sempre à espera do apoio do Estado, talvez com a excepção da Igreja. Veja-se a tentativa constante do sistema privado receber ajudas e subsídios do Estado.
Nos EUA a qualidade do sistema privado de ensino resulta de ter sido ele que impulsionou o próprio Estado a criar o seu sistema. Por cá foi tudo ao contrário, seguindo o modelo napoleónico de centralização estatal.
Percebo que em algum momento se pretenda criar um “novo” sistema, só que isso só será possível de forma progressiva e com as salvaguardas indispensáveis para que o avanço não se torne um recuo.
Não sei se me vai considerar novamente fatalista. Eu acho que sou meramente pragmático.
Novembro 17, 2006 at 10:56 am
Seguramente que as escola não deverão ser encaradas como empresas… mas não me repugna a ideia, bem pelo contrário, de as encarar como ‘empreendimentos educativos’ [ a expressão não é minha ].
Novembro 17, 2006 at 12:01 pm
E a mim nada me repugna colher bons exemplos do mundo empresarial.
Outra coisa é querer transpor modelos tipo copy/paste.
Novembro 17, 2006 at 1:48 pm
Certo, até porque o copy-paste sai muito caro. Veja-se quanto o estado vai pagar pelos protocolos com o MIT e CMU…
Maio 4, 2013 at 12:08 am
As escolas são um tipo de empresa, possuem CNPJ, necessitam de material de expediente, possui funcionários e seus clientes são os alunos. É uma prestação de serviço em Educação. Os alunos como clientes (ou seus pais) matriculam seus filhos nas escolas de “melhor” referência (pública ou privada) na medida do possível e da importância que alguns pais disponibilizam ao ensino de seus filhos. Os recursos que vem de mensalidades escolares ou governamentais devem ser administrados e empregado de forma adequada, mas na realidade o que vemos na prática são escolas semelhantes com recursos idênticos e aplicados de forma totaslmente diferente e consequentemente com resultados diferentes. Os gestores escolares infelizmente não possuem formação adequada para gerirem recursos financeiros e acabam aplicando erroneamente estes recursos causando prejuizo ao ensino de forma geral. A escola deve ter sua parte pedagógica gerida por docentes e pedagogos e a parte administrativa deixar por conta de gestores qualificados e capacitados para devido fim para podermos colher frutos no futuro. Escola é sim empresa…diferenciada em vários pointos de outras empresas mas quando se trata em gerir recursos não há diferenças.