Hoje ultrapassei as 140 aulas dadas, o que equivale a cerca de 20% da minha carga lectiva anual. Só faltei ainda por causa da greve. Não sei se dei alguma aula boa, muito boa ou excelente. Só sei que se der mais 75% delas poderei vir a ser considerado Muito Bom ou Excelente daqui por uns anos.
Agora algo completamente diferente, ou talvez não.
Uma aluna minha ao inquirir-me se 2ª feira iria receber, corrigida, a ficha de trabalho que hoje realizou, ficou admirada por eu não ter imediatamente dito que sim, pois costumo ser rápido nas correcções. Foi então que lhe expliquei o mecanismo da coisa, algo que não está ao alcance de todos, incluindo muita gente que clama pelos horários privilegiados dos professores, esses mandriões que se recusam a ter um horário semanal de 35 horas.
E a coisa, na sua singeleza quotidiana e aritmética, é assim: se um(a) professor(a) tiver 6 turmas (o que é uma média, sendo que eu tenho menos, mas muita gente tem mais), isso equivalerá a cerca de 150 alunos. Numa semana em que sejam feitos testes em todas as turmas e se o docente for um turbo-corrector de provas que apenas gaste 15 minutos em cada uma, isso equivale a 2250 minutos, o que corresponde a 37,5 horas.
Ou seja, excede o seu horário previsto de trabalho semanal. Num fim de semana acarretaria mais de 18 horas diárias de trabalho ininterrupto.
Mas não é todas as semanas que se fazem testes, claro. Pois… desenvolvem-se outras tarefas, bem diversas, que implicam não só uma auto-correcção ou uma correcção conjunta na sala de aula, mas trabalho doméstico do(a) professor(a) que, mesmo sendo menos demorado do que os clássicos testes, dificilmente é inferior a 12-15 horas semanais. Não nos esqueçamos que cada aluno com as suas especificidades e que assim deve ser realizada a sua avaliação. Que é contínua. Para além de que é necessário produzir os materiais de trabalho e avaliação que, com as alterações curriculares e de carga horária, não se podem repetir facilmente de ano para ano, necessitando, no mínimo, de adaptações.
Muita gente esquece isto. Mas quando alguma coisa (a)parece menos bem corrigida ao seu educando, lá vem o protesto. Ou a crítica do vulgo aos “maus professores”, esses desleixados que não querem trabalhar.
E não me digam que isto é demagogia, porque não é.
Demagogia é atentar contra a dignidade profissional das pessoas e não saber do que se fala, do que se escreve ou, inclusivamente, do que se decide.
Novembro 3, 2006 at 8:00 pm
Boa noite!
Você tem andado com umas piadas engraçadas!
Tem um humor muito corrosivo!
Acho é que continua a bater numa tecla, que já não tem som…
Novembro 3, 2006 at 8:46 pm
E eu acho que o meu amigo tem umas opiniões engraçadas.
É pena que eu ainda não tenha percebido quais são…
Defeito meu, má fortuna…
Novembro 3, 2006 at 8:54 pm
Paulo:
O teu Blog tem sido uma autêntica pedrada no charco nesta pasmaceira nacional, apoiada por uma imprensa pouco interessada na desmistificação da política educativa nacional. Continua, que os leitores, cada vez em maior número, bem merecem os teus escritos. Infelizmente, não me parece que sejas tu que andas com umas piadas engraçadas. Basta ler a proposta de Estatuto com um mínimo de atenção ou assistir às intervenções daqueles que se dizem responsáveis pelas orientações das políticas educativas do país. Quanto à TLEBS, ainda muita tinta vai correr… Como foi possível que mais um experientalismo com repercussões evidentes no nosso ensino recebesse tão rapidamente a aprovação da tutela? Um abraço, João Esteves.
Novembro 3, 2006 at 8:56 pm
Paulo, eu o ano passado dei comigo preocupada por estar a demorar a correcção de fichas e testes… Até que de repente compreendi que as coisas tinham mudado muitíssimo… Aí, cheguei às aulas e disse aos meus alunos: “Meus amigos, como sabem, agora tenho de passar muitas horas na escola a fazer substituições e outras coisas… isso significa que tenho muito menos tempo para correcções, que têm de ser feitas em casa. Portanto, peço desculpa, mas vou ter que levar mais tempo para acabar de corrigir as coisas!” Eles compreenderem, e eu deixei de me culpabilizar, cmo já estava a fazer. O mais curioso é que eu tinha mantido para mim o mesmo modelo, como se tivesse que INVENTAR o tempo que me foi retirado para coisas dispensáveis… Assim nos manipulam, se não temos cuidado, à conta da nossa consciência profissional e vontade de fazer tudo bem feito!… 😦
Estas suas contas estão muito bem feitas e ajudam a OBJECTIVAR os factos!
Novembro 3, 2006 at 9:09 pm
Não desmerecendo os outros comentadores, um abraço especial para o João.
Novembro 3, 2006 at 10:32 pm
Força Paulo!
As suas palavras dão-me ânimo e alguma força para enfrentar os vilões que estão a dar cabo da nossa vida profissional, pessoal, familiar… e a comprometer seriamente o futuro das novas gerações.
Gosto muito de ler o seu blog e ainda bem que há alguém capaz de dizer as verdades (e tão bem!)
Por favor não desista!
Novembro 3, 2006 at 11:14 pm
O que é referido neste post, é a mais pura das verdades…o que dá pena é a “estupidez militante” que existe em muitos “hencal” por este país fora. Mas nós já estamos habituados, afinal lidamos com a ignorância todos os dias!
Novembro 4, 2006 at 1:16 am
Caro colega, nunca antes teve tão certo. Mas esta afronta tem a sua génese há 30 anos. A liberdade em Portugal nasceu prisioneira do socialismo exacerbado. Tudo e todos passaram a ter o “dever” de participar em tudo, até naquilo que não percebem, não entendem e não queiram sequer entender. O cúmulo deste socialismo exacerbado é acreditar que dando mais “participação democrática” a todos, incluindo crianças, estamos a formar melhores adultos. Para mim, melhores adultos são aqueles que têm que lutar por algo, por causas e ideais, para que o seu carácter se forme na força das suas convicções tantas e tantas vezes contrariadas. É assim que nos formamos, e com a nossa consciência critica ( e entenda-se critica como algo pelo qual se luta e não quando se critica na certeza de que se irá ter razão naõ importa o quê) construiremos uma geração diferente da anterior, que se quererá melhor e com os defeitos atenuados da anterior.
fazer obedecer os “anciãos” detentores do conhecimento aos “não-anciãos” e crianças é matar o conhecimento. Acho que ainda estamos 2 séculos atrasados, na ideia do bom selvagem que a sociedade corrompe. A sociedade hoje é que é selvagem e “o selvagem” é que a corrompe.
Espero sinceramente ser capaz, e que todos sejamos capazes de implementar o que estes líderes despóticos querem; espero que estejamos à altura de estar as 7 horas na escola; espero que possamos aguentar a ética profissional de não produzir aquilo que temos de produzir por falta de tempo; em suma tudo aquilo que apontou, a falta de horas já por si só insuficientes sem mesmo nos tirarem ainda algumas. Espero ter sido claro, espero ter conseguido passar a mensagem. Um bem haja.
Novembro 4, 2006 at 3:08 pm
loooooooool adorei a expressão «turbo-corrector de provas» 😆 e já agora parabéns! Hoje és o nº1 dos blogues portugueses no top wordpress. Se não fossem as mamas da Patrícia Tavares, o teu post também seria o 1º… Pronto não há dúvida que entre devaneios sobre aulas e mamas de quem quer que seja não há escolha 😉
Novembro 4, 2006 at 4:26 pm
Se calhar até eu acabei por contribuir para o destaque mamífero.
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