De forma para mim inesperada eis que acabo de assistir a boa parte de uma entrevista à Ministra da Educação feita no jornal noticioso da noite na 2: que é conduzido por Alberta Marques Fernandes.
Em primeiro lugar, a minha vénia à primeira jornalista que cumpriu a sua missão primeira que é a de fazer uma entrevista com contraditório e encadeamento das perguntas nas respostas que lhe foram sendo dadas por uma Ministra progressivamente impaciente, incomodada e refugiada nos habituais chavões da comparação da carreira docente com outras. Finalmente, fez-se-lhe luz no espírito, ou na equipa que a assessora e prepara para estes eventos, e agora deixou os paralelismos militares perfeitamente desajustados, passando para a comparação com enfermeiros e professores do Ensino Superior. Pois… só 23% chegam a catedráticos. Mmmmm… não vou por aí, já lá dizia o outro.
Mas, como ia escrevendo, os sinceros parabéns a Alberta Marques Fernandes. Quem a conheça que lhe transmita.
Agora quanto ao desempenho da Ministra, e como de costume, oscilou entre a pura repetição de um discurso que não raras vezes resvala para a imprecisão a rairar a inverdade para não dizer pior e o surrealismo. Interessante o tique das mãos postas quando o interrogatório apertou, nomeadamente quando lhe foi perguntado porque não optou por regulamentar a atribuição do Muito Bom no actual ECD, lacuna que não é culpa dos professores.
Mas houve outros pormenores interessantes como, por exemplo, o facto de voltar a afirmar que o acto maior de um professor é dar aulas, para depois se contradizer afirmando que os professores mais competentes e experientes devem desempenhar outro tipo de funções, sendo esses os escolhidos para titulares. Eu sei que as coisas não se excluem entre si mas, por estranho que pareça, a Maria de Lurdes Rodrigues esse argumento nunca parece ocorrer. Depois a defesa peregrina e intransigente da necessidade de quotas para obrigar a distinguir a excelência, com 5% apenas para Excelentes, perante a incredulidade da entrevistadora que lhe salientava ser perverso colocar uma barreira artifical à definição de excelência. Lá acabou por confessar que era um instrumento efectivamente artificial para obrigar as Escolas a “fazer escolhas”. Nós sabemos no que isso acabará, mas enfim, entendo que a Ministra não conheça os meandros quotidianos da nossa vida.
Depois há aquela noção para mim sempre triste de confundir quantidade com qualidade. O professor que dá mais aulas é o mais competente. Isto disse-o explicitamente a Ministra: quem não falta deve ser distinguido e considerado Muito Bom ou Excelente, pelos vistos mesmo que as suas aulas sejam uma desgraça pegada. Então se der classificações a esmo aos alunos e for de falinhas mansas com os pais, a excelência é um dado adquirido. Eu até quero acreditar que isso não seja exactamente o efeito desejado, mas o discurso explícito produzido hoje por MLR é nesse sentido. O mais pode e deve ser considerado excelente; o melhor não existe, desde que seja dado mais 1% de faltas num ano.
Mas o mais patétido de tudo, a mergulhar no puro surrealismo, foi afirmar que havia professores que chegavam ao topo da carreira após longos anos sem dar aulas, usando como exemplo os professores que desempenham diversas funções no próprio Ministério.
Isto é algo perfeitamente delirante. A Ministra usa como exemplo de quem não deve progredir exactamente aqueles que o próprio Ministério considerou competentes para exercerem cargos nas suas estruturas centrais ou regionais. Ou seja, por ridículo que pareça, um(a) Director(a)-Geral destacado(a) no Ministério ou um(a) Director(a) Regional que seja professor(a), de acordo com esta definição, não deve progredir na carreira, pois não exerce o acto de dar aulas. Eu já não percebo se MLR acredita no que afirma, se apenas não percebe exactamente as implicações do que diz, quando pressionada a responder a questões menos cómodas.
Eu se fosse professor(a) e trabalhasse no Ministério punha-me já a andar de volta para a Escola e deixava os gabinetes às moscas, para ver como a Ministra descalçava tal bota. Eu sei que as cadeirinhas dos gabinetes são muito atractivas, mas ser destratado publicamente desta forma também dói. Também acredito que queiram aligeirar o peso de funcionários no ME, mas para isso basta não lhes renovar as requisições e destacamentos. Claro que depois se veria que realmente muitos desses (ex?) docentes estariam fora do ritmo e desadequados ao trabalho nas Escolas, mas como é que o Ministério depois asseguraria os seus serviços sem eles? Contrataria tarefeiros mais baratinhos?
Será que esses professores se mantêm na 5 de Outubro, na 24 de Julho ou nas DRE’s à força e contra a vontade da tutela? Afinal, quem os requisita, quem lhes concede destacamentos?
E, para acabar por agora, será que há limites para a hipocrisia política? Não percebemos já todos que o único problema é cortar a 70% dos professores a possibilidade de progressão salarial?
Nota final: E o que dizer do fim anunciado das Associações Profissionais de Professores? Será que a de Professores de Português que caucionou a TLEBS também leva pela mesma medida?
Novembro 2, 2006 at 11:19 pm
A lógica continua a ser uma BATATA para este Ministério: aqui está uma tradição que vai sendo o que era!
Tendo optado por não ter TV há já largo tempo, fico agradada com a notícia de que finalmente alguém mereceu o nome de JORNALISTA e fez algo que merece o nome de ENTREVISTA à ilustre e, até há pouco, intocável senhora. Também aí os TPCs bem feitos dão frutos!… 😉
Mas tudo isto nos deixa com aquela certeza de que nunca veremos esta equipa ministerial seguir outra linha de pensamento que tenha a ver com qualidade real de ensino ou com a verdadeira resolução dos problemas das escolas.
Confesso que já não espero melhorias nenhumas no ECD ou em qualquer outra produção ministerial. O próximo passo vai ser nosso: minimizar os estragos e tornar as coisas minimamente funcionais – como temos feito toda a vida!
Novembro 3, 2006 at 1:23 pm
O comentário que fiz abaixo competia aqui.
Novembro 3, 2006 at 3:14 pm
Não vi a entrevista, mas pelo que li aqui, a emenda vai sendo pior que o soneto. Quanto à jornalista, bom, tem dias. No dia anterior, entrevistando 1 dirigente sindical, parecia não perceber nada do que se estava a tratar. Entre outras expressões, chamou qualquer coisa como professor “chefe” (?!)ao professor titular. Mas isso também não interessa nada….Talvez a jornalista tenha lido o ECD ao serão. O que parece que muitos comentadores e jornalistas não fazem.
Novembro 3, 2006 at 7:02 pm
A jornalista revelou uma impreparação básica para o assunto em discussão. Quando a Ministra lhe disse que 1/3 dos professores poderiam chegar a titulares ela, pela maneira como reagiu, revelou desconhecimento da proposta de revisão de carreira. Ela não esteve bem no contraditório porque este tem de partir sempre de uma base informada e neutra. Ela nem foi neutra (utilizou várias vezes expressões dos lideres sindicais como referência para a discussão) nem muito menos informada…
A Ministra não esteve bem porque não tem o estofo político-rectórico de outros Ministros. Agora o essencial é discutir a proposta e não a inabilidade que a Ministra demonstre em defendê-la. É ou não verdade que a carreira docente não superior é a única em que não existem vagas ou concursos públicos para se atingir o topo da carreira? O exemplo dos Enfermeiros e Profs Universitários, dado na entrevista, é bastante apropriado para se responder a esta pergunta.
A inabilidade da Ministra passa por chamar quotas ao que são vagas e a chamar “instrumento artifícial” aquilo que são os instrumentos e processos básicos de diferenciação em qualquer organização: hierarquia; avaliação; decisão; autoridade; responsabilidade.
E se a Alberta não percebeu do que se trata poderia a Ministra ter-lhe dado um exemplo de fácil compreensão: só existem 2/3 pivots do Jornal da 2, apesar de extistirem provavelmente bastantes mais pessoas habilitadas para o efeito, todas elas certamente com classificação de excelente… Isto demonstra que até na RTP se compreende o que é hierarquia e decisão. Infelizmente a definição de avaliação e responsabilidade deve ser desconhecida, caso contrário no fim da entrevista uma de duas pessoas teria de se demitir: ou a Alberta ou o seu chefe…
ManyFaces
Novembro 3, 2006 at 7:11 pm
Permito-me discordar de muito do que escreveu ManyFaces.
Em primeiro lugar, a Fátima Campos Ferreira, que dizia estar a preparar o Prós e Contras há meses foi bem mais cordata e desinformada.
Quanto à tentativa de equiparar à força os professores a outras carreiras parece-me um esforço espúrio que apenas obedece a uma lógica igualitária entre carreiras, enquanto simultaneamente defende a diferenciação no seio da própria carreira.
E quanto à inabilidade da Ministra para defender a “sua” política considero ser uma aspecto, muito, MUITO mesmo, relevante, por diversas razõs, a primeira das quais é saber se a forma como a política defendida corresponde às motivações reais que levaram a ser delineada, para além de saber exactamente quem a delineou e a saberá efectivamente defender.
Mas ainda lhe dou outro aspecto de fundo: eu aceito este ECD e o sistema de quotas desde que, em vez de se limitar a progressão dos professores, se premeie de forma especial quem é Muito Bom ou Excelente. Há uns dias coloquei aqui a ligação para a revisão do equivalente ao ECD na Escócia e a lógica foi exactamente essa.
Premiar em vez de bloquear.
O reconhecimento do mérito estaria lá, bem como a verticalização da carreira.
Só que, como bem sabemos, o que está em causa são os dinheirinhos, por isso, a coerência argumentativa ministerial acaba por ir parar às urtigas.
Novembro 3, 2006 at 8:22 pm
Quanto à Fátima Ferreira não poderia estar mais de acordo…
Quanto ao meu “esforço espúrio”, de facto ele obedece a uma lógica igualitária no que toca aos processos organizativos. Defendo que uma organização é uma organização, seja ela uma escola, um hospital ou uma empresa. A maneira como a hierarquia, as decisões e as responsabilidades são geridas é (ou deveria ser) semelhante. São processos gerais de gestão de organizações. Isto não me parece incompatível com a defesa de uma diferenciação dentro de cada carreira.
Todas as organizações têm objectivos e missões, envolvem pessoas e têm meios finitos para operarem. E quanto a este último ponto dá-me sempre a sensação de que sobretudo os sindicatos argumentam sempre no pressuposto de que os meios são infinitos. Não são…
Quanto à velha questão se num político é mais importante ter boas ideias ou sabê-las defender em público, faz-me sempre lembrar a obcessão Portuguesa com a simpatia dos médicos, quando a preocupação deveria ser a sua competência. De alguma forma para nós um bom político tem de saber “botar faladura”, não basta ter uma visão e saber executá-la… Pois eu digo que o Santana deveria ter servido para vacinar o País…
Finalmente, a questão da limitação à progressão. Na minha empresa já alguém estabeleu um paralelo com esse sistema “não limitativo”:
A empresa tem 6 directores, que o são porque existe uma razão para o serem (função) e porque se revelaram competentes para a função. Acontece que uma pessoa excepcionalmente competente e inteiramente preparada para direcção entendia que deveria ser criado para si um lugar de direcção. A proposta seria recusada por uma razão: o mérito numa organização é sempre relativo e a promoção com base nesse mérito dependente das necessidades e dos recursos da empresa. O tal aspirante a Director só lá poderia chegar se houvesse motivo para a criação de uma nova função e se a empresa conseguisse suportar os custos da promoção.
Esta racioalidade está fora das escolas e da sua discussão. E sei disso porque já fui Professor (muito tempo…).
ManyFaces
Novembro 3, 2006 at 8:41 pm
Se foi professor saberá das virtudes e defeitos do sistema.
Agora está melhor em alguns aspectos e pior em outros.
Só vou focar-me num ponto: o de as organizações deverem ser tratadas de modo uniforme.
Discordo.
Há muitos tipos de organizações e a centralização hierárquica é apenas um dos modelos possíveis.
Por outro lado, sendo a Escola uma organização o que poderemos chamar ao sistema educativo?
Uma rede organizações autónomas entre si?
Não, acho eu, pois a estrutura piramidal hierárquica, ao nível da tomada de decisões estratégicas, passou durante muito tempo pelos CAE’s, DRE’s e Ministério.
No interior da escolas passou a existir a “gestão democrática das escolas”, obedecendo ao critério electivo e tomando como certa a crença que as eleições são o processo mais adequado para os “governados” escolherem os melhores “governantes”.
Sei que tem defeitos tal método.
Mas se ainda é usado para escolher o Primeiro-Ministro…
😉
(eu sei que este foi um “golpe argumentativo “baixo”, mas não resisti, desculpe-me a fraqueza…)
Novembro 3, 2006 at 10:58 pm
Apesar de algumas contradições da ministra, a jornalista também se contradizia, (até considerou que 33% dos professores chegarem ao topo da carreira era muito bom, quando anteriormente tinha dito que era uma medida perversa), estava muito mal preparada e interrompia, constantemente, a ministra para nada dizer. Alguém percebe porque é que um professor somente quando tem 18 anos de serviço é que é competente, experiente e tem capacidade para ser professor titular? E aquele que tem 12 anos de serviço, que já exerceu todos os cargos possíveis e imaginários, não é experiente, não é competente (não é professor?) é o quê?
Novembro 3, 2006 at 11:14 pm
Pois… a entrevistadora não foi perfeita, mas pelo menos questionou a Ministra, tentando que ela explicitasse conceitos.
E quanto a trocas de números, MLR fez várias, embrulhando-se entre o 5% para Excelentes e 25% para Muito Bons, acabando por somar tudo 33% que sabemos serem fictícios pois as regras de candidatura a professor-titular eliminarão muito mais do que isso.
Para além de ter apresentado como grande vantagem não existirem cotas para os Insuficientes.
Novembro 4, 2006 at 1:34 am
Eu sou daqueles que consigo ver bondade em algumas medidas da nossa ME. Consigo até dizer que está a caminhar no bom sentido, mas depois lembro-me que estou em Portugal, um país do 3º mundo, desculpem, da Europa. esta senhora, para procurar implementar estas medidas num país como o nosso, das duas uma, e nenhuma é melhor do que a outra: ou desconhece a forma como se “organiza” qualquer qualquer “empresa” do estado ou sabe e quer-nos fazer passar por burros. A ser assim, nesta perspectiva deveria a ME não se considerar digna de si própria e pedir a demissão, pois não sabe avaliar os seus próprios sentimentos, mantendo-se no lugar como se estivesse a fazer tudo como mandam os livros. E o que se vai fazer aos maus avaliadores que colocarem más pessoas nos lugares? O que se irá fazer aos maus avaliados se devessem ter sido bem avaliados? Vai have rpossibilidade de recurso para tribunal cível para pedido de indeminizações caso alguém seja prejudicado, ou será uma decisão soberana tipo juíz? Pois é, como não está isto regulamentado, a educação estará entregue aos bichos, estando os “domadores” dentro da jaula exibindo os seus dotes. estou-me a lembrar do planeta dos macacos, não sei porquê…
Novembro 4, 2006 at 9:42 am
Exacto.
Estas medidas – retirando o bloqueio salarial – teriam certa lógica em países de alfabetização consolidada ou com um sistema educativo estabilizado.
Entree nós, é colocar uma pára-choques de um Audi (atenção, que está longe de ser de um Ferrari), num bom e velho 2CV ou, vá lá, num Fiat Uno.
Novembro 4, 2006 at 11:43 am
Concordo particularmente com o Pedro. Essa é a grande questão: que vamos obter com tudo isto?… Nada de bom para aquilo que é a função essencial das escolas e dos professores…
Também me é difícil perceber por que existem titulares: já que a questão é o dinheiro, não seria mais barato simplesmente PAGAR a quem exercer cargos?… E exigir um certo número de atributos para os poder exercer? SIm, porque neste momento, faz-se a lista e… já está!… Esta, se calahr, era uma medida capaz de alterrar muita coisa no funcoinamento das escolas, e resolver algumas das falhas que tão bem conhecemos…
Agora negar o MB a quem o mereça… é tão absurdo que nem há palavras para qualificar! Que tipo de motivação traz isso ao profissional? Ou reconhecimento do mérito? Ou, para falar eduquês, diferenciação entre níveis de proficiência?
E que uma responsável a nível de Ministério não encontre forma mais eficaz e menos contraditória para poupar dinheiro sem desmoralizar uma classe inteira (com prejuízo para todos os que andam na escola!) só pode significar INCOMPETÊNCIA… e realmente devia demitir-se.