Eduardo Marçal Grilo foi um dos poucos Ministros da Educação preparado para a função e com algumas ideias claras nos últimos 30 anos. Infelizmente, apensaram-lhe uma secretária de Estado aparelho socialista, convertida ao eduquês e pedagogês de fraca qualidade, e como se sabe o equilíbrio e a coexistência foram instáveis e o balanço final muito ambíguo.
Mas… isso não impede que o homem saiba do que fala quando fala de Educação. Como contraponto ao que temos, vê-lo hoje na SIC-Notícias é quase um bálsamo, mesmo quando não se concorda com tudo. Até o Mário Crespo que por vezes tende a atropelar os entrevistados da noite, se manteve cordato e ouvinte.
Depois da fase em que Marçal Grilo fez a apresentação, ou a defesa possível, suavizada e com as arestas polidas da actual política educativa, sendo interessante ver como se demarcou, através da redefinição, de alguns dos aspectos da política da presente Ministra, passou a apresentar as suas ideias em duas fases,
Numa primeira fase falou daquilo que o moveu enquanto Ministro, ou seja, o chamado Regime de Autonomia das Escolas que esteve na origem da redução dos organismos intermédios do Ministério e do seu emagrecimento como estrutura tentacular. Para ele, as Escolas devem ter a autonomia suficiente para agirem e desenvolverem as suas estratégias e projectos, desde que dotadas de uma liderança forte. É uma ideia boa, pelo menos na teoria, mas que muitas vezes desemboca em casos de gritante autoritarismo. Outra ideia só parcialmente positiva é a de reduzir os sindicatos á sua função meramente sindical. Para um céptico da actual qualidade e utilidade do sindicalismo docente, esta é uma ideia que não é desagradável mas que não me faz esquecer que, dessa forma e no estado em que estamos, os professores e as Escolas passariam a estar indefesas perante o Ministério, sem qualquer organização que possa mediar as situações que impliquem negociações.
Atomizadas na sua singularidade, cada Escola é mais facilmente manobrável e pressionável, assim como os professores não têm qualquer organismo, como as Ordens, para defender os seus interesses que não sejam meramente das condições laborais.
Numa segunda fase Marçal Grilo sistematizou aquilo que considera que deveriam ser as grandes prioridades na área da Educação: a) o aprofundamento da autonomia das Escolas; b) a possibilidade das escolas seleccionarem os seus corpos docentes; c) uma aposta forte no ensino da Língua Portuguesa e da Matemática na escolaridade básica e principalmente nos dois primeiros ciclos do Ensino Básico.
A primeira ideia, da autonomia, já vimos que pode ser boa ou má, conforme a utilização que dela seja feita. A segunda ideia, muito popular nos países do norte da Europa, entre nós conduziria a muito breve prazo a práticas clientelares e abusos de declarado nepotismo que nem um sistema nacional de colocações ainda conseguiu erradicar por completo. Infelizmente, essa é a realidade e velhos hábitos não morrem. Por fim, o reforço do nível de exigência no ensino e aprendizagem das competências consideradas nucleares, tendo Marçal Grilo sublinhado a necessidade de maior exigência na formação científica dos professores e o carácter essencial da aquisição de rotinas e automatismos (decorar a tabuada, memorizar mecanismos rápidos de leitura) pelos alunos no processo de aprendizagem, que muitas pedagogias criticam, são considerações que como ele bem destacou derivam do mero bom-senso e do equilíbrio.
Infelizmente o bom senso e equilíbrio que tem faltado em grande parte destas décadas e que, como nos lembraremos, o quisto da Secretaria de Estado da Inovação benaventista torpedeou com as suas noções requentadas de facilitismo e de crítica ao que se apresentavam como modelos pedagógicos e didácticos excessivamente directivos e como tal vistos como inadequados.
Em especial pela forma como recolocou na ordem do dia a necessidade de rigor e exigência no processo de ensino e aprendizagem e o carácter indispensável de uma formação rigorosa dos docentes na área dos respectivos saberes científicos, já esta meia hora alargada de conversa valeu mais do que todas as vagas e cozinhadas declarações da actual Ministra.
É que quando quem fala, percebe daquilo que está a falar e o explica de forma articulada, com argumentos e exemplos apropriados, é toda uma outra coisa, concordemos ou não com as opiniões.
Paulo Guinote