Questões colocadas pela jornalista Isabel Leiria e respondidas por mail.

O discurso de Nuno Crato sobre a avaliação, o facilistimo, a autonomia das escolas é conhecido. Acha que terá condições/apoio político para fazer grandes mudanças no sistema? Em que áreas será mais fácil/mais provável que mexa?

Nuno Crato é uma personalidade com posições bem conhecidas sobre o sistema de ensino, o que provoca reacções naturais de forte apoio ou crítica. Mais do que tentar fazer grandes mudanças no sistema, em pouco tempo, deve tentar lançar as bases para uma reconfiguração desse sistema a médio prazo. Há reformas que devem ser pensadas a dois mandatos, ao contrário do que se passou no passado recente, em que tudo tinha de mudar em dois anos.
O apoio político depende de muitas circunstâncias, mas acredito que a sua escolha indicia que o actual primeiro-ministro e a maioria que suporta o Governo assumiu uma postura clara em relação à Educação, pelo que seria estranho que não apoiasse um ministro que até tem bastante apoio e expectativa no seio da classe docente.Claro que se antevê, desde já, uma coligação negativa, que une alguns dos teorizadores educacionais ligados a alguma esquerda herdeira das teorias dos anos 60 e 70 e a um certo sindicalismo desligado do quotidiano das escolas.É de esperar que mexa na avaliação a todos os níveis, desde a dos alunos à das escolas, passando pelos professores, esperando-se que o faça de forma integrada e gradual.
Também é de esperar que, por fim, se faça uma reforma curricular a sério no Ensino Básico.

Por agora, Nuno Crato parece contar com o apoio da maioria dos professores. Mas não é certo que quando mexer no dossier da avaliação dos professores tal se mantenha. Como perspetiva a relação de Nuno Crato com a classe docente?

Neste momento, Nuno Crato dispõe de um crédito favorável bastante alargado, apesar de alguns nichos que lhe são irredutivelmente contrários, mesmo que ele criasse o paraíso na terra.
Quanto tocar na questão da avaliação dos professores, tornar-se-á então muito clara a distinção entre aqueles que não querem qualquer avaliação, ou que a querem meramente cosmética (e aí teremos a aliança dos anti-tudo e os que queriam uma avaliação meramente instrumental  para cortar a progressão na carreira) e quem está interessado numa avaliação do desempenho adequada aos tempos que vivemos, responsabilizadora, integrada na avaliação das escolas e dos alunos, e não baseada na representação administrativa do desempenho.

Nesse momento, sim, haverá um forte debate na classe docente, em que o unanimismo quase geral gerado entre 2005 e 2009 desaparecerá.

Na sua opinião, quais as áreas que mereciam intervenção prioritária?

A área de intervenção prioritária deveria ser a reforma curricular do Ensino Básico e uma reconfiguração dos ciclos de escolaridade que, na minha opinião, deveria levar à fusão entre o 2º e 3º ciclo, com a consequente adaptação e modernização dos programas disciplinares.
Isto passa, naturalmente, por uma revisão da Lei de Bases.

Em seguida, deveria ser feita uma reflexão, decorrente de uma avaliação não ideológica ou economicista, do processo de concentração escolar que está em curso e que, a médio prazo, se perceberá estar a ser feita de modo pouco criterioso ou com vantagens para as aprendizagens dos alunos.
Ao mesmo tempo, deveria considerar-se a flexibilização do modelo de gestão, voltando a contemplar a possibilidade de lideranças colegiais.

Por fim, deverá ser desenhado um modelo integrado de avaliação do desempenho dos alunos, professores e escolas que, com as devidas contextualizações e ponderações, terminasse um ciclo infeliz em que a avaliação do desempenho docente foi um mero instrumento de estrangulamento da progressão na carreira e um argumento político demagógico.