Fala-se muito na necessidade de autonomia das Escolas, mas normalmente só se aborda a questão na perspectiva da contratação directa de docentes que, na minha modesta opinião, está longe de ser a problemática mais relevante nesta matéria.

A autonomia na gestão da Escolas, financeira, pedagógica e não só, deve fazer-se sentir em outras áreas que acho bem mais decisivas para o bom funcionamento dos estabelecimentos de ensino e particularmente para uma maior agilidade das respostas às situações mais imediatas do quotidiano ou mais profundas de combate ao insucesso escolar ou de busca da tão desejada excelência no desmepenho dos alunos.

A legislação em vigor que enquadra esta questão do regime de autonomia dos estabelecimentos de ensino não superior – integrada no decreto 15-A/98 – até é bastante razoável e “larga” em algumas das suas determinações, para ser usada pelas Escolas, apesar do sempre pesado aparato burocrático que envolve a prepração e celebração de um contrato de autonomia. Não é por acaso que o Ministério engalana em arco e faz grande aparato mediático quando consegue celebrar uma ou duas dúzias deles no início de um ano lectivo, o que é quase irrelevante em termos de peso relativo na rede escolar.

O problema é que o Ministério, por desconfiar profundamente de qualquer partilha de poder e controle sobre o funcionamento das Escolas, tem sempre tendência para condicionar esses contratos de autonomia aos modelos que considera mais adequados e mesmo as tão afamadas chamadas experiências de sucesso, por muito que afirmem o contrário, não fogem muito a um modelo-padrão ditado ou modelado superiormente, o qual se traduz depois em documentos extremamente longos e detalhados onde a autonomia é completamente espartilhada numa grelha onde tudo fica previsto o que, por definição, é uma quase completa negação dessa mesma autonomia.

Para além de que as experiências mais mediáticas são com estabelecimentos de ensino ou agrupamentos com um número de alunos e docentes que estão abaixo da média. A Escola da Ponte tem cerca de 4 dezenas de “orientadores educativos” o que é muito menos de metade do que acontece num Agrupamento Vertical de Escolas de dimensão mediana.

A autonomia deveria ser algo diferente e traduzir-se numa liberdade de movimentos dos órgãos de gestão das escolas, sem ser necessária uma constante monitorização e uma esmiuçada discriminação do que pode ser ou não ser objecto de uma gestão autónoma. Ou seja, é o Ministério que determina o que pode ou não ser e não as próprias Escolas.

Ora o que é necessário é uma agilização de processos de gestão que não deveria ter de passar por um tão moroso e minucioso processo de apreciação, avaliação e celebrtação quase litúrgica. E essa autonomia deveria ser num nível mais simples, desde logo, acessível a todos os estabelecimentos de ensino em áreas tão básicas como a gestão do pessoal auxiliar, do currículo e da organização dos tempos lectivos, das verbas disponíveis para equipamentos e da possibilidade de requisição de um certo número de docentes e outros técnicos para projectos educativos específicos.

Ora não é isso que acontece. O que é norma é que a esmagadora maioria dos estabelecimentos de ensino vivam sempre com a trela muito apertada a todos os níveis. A minha experiência pessoal em escolas/agrupamentos até com uma certa “margem de manobra” é a de um controle cada vez mais apertado de cada passo que é dado, de toda a verba que é dispendida, de todo o pessoal que existe e do que faz. Desde a obrigação de adquirir livros para a Biblioteca a um único fornecedor, à fiscalização do número de auxiliares de acção educativa e à proibição da sua substituição mesmo em casos de ausência prolongada (por determinação de umas foguras de poder intermédio que acabaram por aparecer a substitui parte dos poderes dos CAE) passando pela píirica possibilidade dos órgãos de gestão pedagógica apenas poderem gerir  um bloco de 90 minutos na organização dos horários e currículos dos alunos, tudo parece estar controlado ao milímetro, ao minuto e ao cêntimo.

A solicitação de informação às escolas por parte dos serviços centrais do Ministério aumentou brutalmente nos últimos anos, traduzindo-se num aparato de papelada burocrática sem fim, com faxes a caírem em cima dos fins de semana a pedir informações, relatórios, tabelas, o diabo a quatro para a manhã de segunda-feira sem que se perceba a urgência da necessidade de tais informes em tão curto prazo, para além da satisfação do capricho de algum chefe de serviços ou director-geral.

Em boa verdade, há muitas  Escolas com um menor grau de liberdade agora do que há 10 ou 20 anos, quando a proximidade com os CAE permitia um diálogo mais imediato, mesmo se muitas vezes era necessário pedir escalrecimentos superiores adicionais, o que nem sempre dava origem a uma homogeneidade de critérios. Há mais meios, por certo, mas esses meios são usados com regulamentos extremamente restritivos. Veja-se o que se passa com as obras compradas com as verbas do Plano Nacional de Leitura ou com os ditosos portáteis, em que só falta vir discriminado o número de vezes que se pode ligar o bicho ou teclar no Esc. E isto é ridículo.

Quando se afirma para o público que as Escolas devem ter mais autonomia e responsabilidade na sua gestão, esse é um chavão apenas para iludir os incautos, porque essa é uma autonomia controlada, a boa autonomia, a autonomia que serve os interesses de quem a concede. Para mim, e aqui deve ser a minha costela de História a funcionar, os contratos de autonomia assemelham-se a contratos feudo-vassálicos, em que o suserano concede o feudo mas exige em troca a fidelidade do vassalo, o qual por sua vez pode estabelecer a sua rede de vassalagem, desde que toda ela responda ao chamamento superior do suserano supremo para as batalhas que forem necessárias contra os incrédulos e infiéis.

Neste aspecto, eu gostaria que tudo fosse muito mais simples e informal no estabelecimento destes contratos de autonomia: quem os desejasse deveria apenas justificar a razão, traçar as suas metas de gestão e definir os meios que para isso acha indispensáveis, neles incluindo a possibilidade de gerar rendimentos próprios que poderia utilizar como achasse mais correcto. Esta autonomia deveria contemplar, como já afirmei, uma gestão do pessoal auxiliar sem a rédea apertada que agora existe, pois este pessoal é tão indispensável ao funcionamento de uma escola como os docentes, uma gestão verdadeiramente flexível do currículo, apenas com a necessidade de respeitar um núcleo duro de saberes definidos nacionalmente como essenciais e uma gestão financeira que conjugasse a utilização de verbas transferidas pelo Poder Central e verbas eventualmente conseguidas em parcerias, patrocínios ou prestação de serviços pela Escola. E, last but not the least, que as Escolas pudessem ter a liberdade – que prefiro ao termo de autonomia, confesso – para definirem a melhor forma de responderem às necessidades educativas locais e aqui sim se poderá inserir a contratação de técnicos especializados para determinados projectos (psicólogos, animadores culturais, técnicos de acção social, etc) ou a requisição de docentes a outras escolas numa certa proporção do total dos quadros (10-15-20%).

Embora tudo isto que afirmei tenha cobertura legal no decreto 115-A/98, a verdade é que tod o o processo que conduz a um contrato de autonomia é típico da nossa mentalidade burocrática e do que é normal no nosso funcionamento administrativo: muita papelada, muito parecer, muito volta para trás para rever e mandar de novo.

Não vale a pena iludirmo-nos: enquanto se quiser aplicar um sistema de tipo nórdico ou anglo-saxónico com um enquadramento de tipo napoleónico, dificilmente as coisas poderão avançar de forma verdadeiramente eficar e com capacidade de influenciar decisivamente o conjunto do sistema educativo.

Como estão as coisas, apenas temos os tais contratos feudo-vassálicos em que os egos dos vassalos ficam inchados com todo o cerimonial, mas em que o suserano é que continua a mexer todos os cordelinhos.